Mostrar mensagens com a etiqueta Homenagem. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Homenagem. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Ay Carmela! - Música Espanhola Anti-Fascista


Uma das canções Republicanas Espanholas mais famosas da Guerra Civil Espanhola.

A letra mais popular dessa música republicana tem duas variantes conhecidas como "El Paso del Ebro" e "Viva la XV Brigada". O primeiro está relacionado à Batalha do Ebro e o segundo menciona a Batalha de Jarama, dois dos principais confrontos da Guerra Civil.
A melodia, no entanto, é uma música folclórica muito mais antiga que remonta à Guerra Peninsular no início do século XIX.
Letra ¡Viva la Quince Brigada! Rumba la rumba la rumba ban ¡Viva la quince brigada! Rumba la rumba la rumba ban Que sea cubierto de gloria ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! Que sea cubierto de gloria ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! Luchamos contra los moros Rumba la rumba la rumba ban Luchamos contra los moros Rumba la rumba la rumba ban Legionario y fascista ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! Legionario y fascista ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! En los frentes de Gandesa Rumba la rumba la rumba ban En los frentes de Gandesa Rumba la rumba la rumba ban No tenemos municiones ni tanques ni cañones ¡Ay, Carmela! No tenemos municiones ni tanques ni cañones ¡Ay, Carmela! Pero nada pueden bombas Rumba la rumba la rumba ban Pero nada pueden bombas Rumba la rumba la rumba ban Cuando sobra corazón ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! Cuando sobra corazón ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! Sólo es nuestro deseo Rumba la rumba la rumba ban Sólo es nuestro deseo Rumba la rumba la rumba ban Acabar con el fascismo ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! Acabar con el fascismo ¡Ay, Carmela! ¡Ay, Carmela! Rumba la rumba la rumba ban Rumba la rumba la rumba ban

sábado, 14 de novembro de 2020

Evocação do Dia em Memória do Holocausto

 O Dia de Memória do Holocausto faz parte, desde 2009, do nosso calendário parlamentar, em sintonia com a iniciativa das Nações Unidas, que consagrou, em 2005, o dia 27 de janeiro como Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.

Concebemos esta comemoração como um momento solene de reflexão sobre as causas e as consequências do Holocausto, lembrando e homenageando a memória das vítimas do nazismo e dos seus colaboradores.

Entendemos a celebração desta data como de afirmação da dignidade da pessoa humana e dos demais direitos fundamentais consagrados na Constituição, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Ao assinalarmos, este ano, o 75.º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, é importante reconhecer que o antissemitismo, o racismo e a xenofobia não começaram com nazismo e não terminaram com o fim da II Guerra Mundial.

Não podemos ignorar que ao longo dos séculos, e por toda a parte do globo, sempre se verificaram manifestações de ódio e atos de violência contra judeus.

O Holocausto é exemplo maior da barbárie nazi, com seis milhões de judeus mortos e um número indeterminado de outros seres humanos perseguidos, encarcerados, deportados ou mortos pelas suas crenças, opções políticas, orientação sexual, condições físicas ou origens, 

Mas não surgiu do vazio.

Foi um programa estabelecido e executado de forma planeada, por etapas, sustentado numa cultura de ódio e de preconceito, promovido e alimentado por uma forte e eficaz campanha de propaganda e desinformação, que soube explorar a crise financeira e social do pós I Guerra Mundial.

Foi um propósito que contou com a cumplicidade, a colaboração – ativa ou passiva – e a indiferença de parte significativa da população de vários Estados.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Recordar o Holocausto, e as suas consequências, é um imperativo moral. Para o prevenir é indispensável conhecer as suas causas, o contexto em que surgiu, a conjuntura que o tornou possível.

Não por acaso, a Resolução das Nações Unidas que estabeleceu o Dia Internacional insta os Estados Membros a desenvolverem programas educacionais dirigidos às novas gerações visando esse objetivo.

Portugal reforçou o seu compromisso nesta área ao tornar-se, em 2019, o 34.º Estado-Membro da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, organização que tem o intuito de dinamizar a cooperação internacional em matéria de Educação, Memória e Investigação do Holocausto.

O currículo escolar português aborda já esta temática em diversas disciplinas e em múltiplos anos, nomeadamente no domínio dos Direitos Humanos, de acordo com a Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania.

Algumas das ações desenvolvidas contam mesmo com a participação de vários parceiros institucionais, nomeadamente o Mémorial de la Shoah, a Memoshoá, a Associação de Professores de História, entre outros.

Se a História é imprescindível para desvendar este período negro da Humanidade e nos avisar para as suas consequências, a Educação para a Cidadania, ao fomentar o respeito pelo Outro numa sociedade inclusiva, promotora da igualdade, da democracia e da justiça social, é essencial para frustrar as manifestações de xenofobia e de racismo, e a ocorrência de atos de violência com estas relacionados.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Na evocação do Dia de Memória do Holocausto é também justo recordar os que não assistiram passivamente à propagação do mal, tantas vezes com riscos para a própria vida, a sua liberdade ou sustento.

Aristides de Sousa Mendes foi um desses Homens.

Contrariando as instruções do Governo Português – a célebre circular n.º 14, de novembro de 1939 –, Aristides de Sousa Mendes emitiu vistos a todos os que o solicitaram, sem distinções e restrições.

Graças a este gesto, estima-se que centenas de vidas foram salvas.

Por este ato de coragem, em obediência aos seus princípios e consciência, Aristides de Sousa Mendes foi punido.

É, pois, com agrado que a Assembleia da República, Casa da Democracia, se associa, nesta cerimónia evocativa do Dia Internacional da Memória do Holocausto, à homenagem devida a este Homem, que honra todos os Portugueses, através da Exposição “Além do Dever” e da apresentação do documentário sobre a sua vida.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Ao terminar, gostaria de recordar, pelo seu significado, as palavras de Thomas Buergenthal, um sobrevivente do Holocausto e antigo Juiz do Tribunal Internacional de Justiça, retiradas do discurso que proferiu nas Nações Unidas, a 31 de janeiro de 2018, na celebração desta data:

«O Holocausto não foi apenas uma tragédia judaica; foi uma tragédia de significado universal. Toda a humanidade foi sua vítima. A menos que esta verdade seja reconhecida e aceite, o Holocausto será tratado apenas como um problema judaico, diminuindo assim o carácter universal e o significado da tragédia humana que foi».

Não podemos deixar que isso aconteça.

A todos agradeço a presença e a atenção.

Muito obrigado.

Eduardo Ferro Rodrigues

Presidente da Assembleia da República



13.02.2020 | Cerimónia de Evocação do Dia de Memória do Holocausto |

Salão Nobre da Assembleia da República, Palácio de São Bento



 

Portugal, a última Fronteira

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Discursos proferidos no 1º centenário da 1ª República

 


Discurso do Presidente da República na tomada de Posse da Comissão Organizadora das Comemorações do Centenário da República (Lisboa, 12 de Junho de 2008):

 

Senhor Primeiro-Ministro,

Senhores Membros da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República,
Senhoras e Senhores,

 

As Comemorações do Centenário da República irão ser uma das mais importantes realizações cívicas e culturais que Portugal levará a cabo no futuro próximo.

O ano de 2010 avizinha-se e, por isso, há que avançar com rapidez e dinamismo. Mas também com serenidade e, sobretudo, com a elevação que a República de todos nós exige.

A Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República tem à sua frente uma tarefa de grande relevância e responsabilidade: conceber e concretizar um Programa que mobilize todos os Portugueses. O Centenário da República deve ser uma celebração de alegria e de festa, sem criar fracturas artificiais ou divisões que não se inscrevem no âmbito específico das comemorações da República.

Os méritos de jurista e de gestor do Dr. Artur Santos Silva, a sua cultura humanista, as capacidades que demonstrou na coordenação de projectos culturais de grande envergadura, as suas qualidades cívicas e morais asseguram que, sob a sua presidência, a Comissão desempenhará com sucesso a missão que lhe foi confiada.

Dos vogais da Comissão, personalidades de reconhecidos méritos, todos confiam que irão exercer as suas honrosas funções com independência e espírito de equipa, trabalhando apenas com um objectivo: contribuir para que o centenário da República seja celebrado com dignidade, unindo os Portugueses em torno de um ideal colectivo que agora celebra cem anos.

Antes de ser uma forma de governo, a República é um projecto de cidadania. É este o sentido com que deve ser celebrada a República: como ideal ético, como modelo das virtudes cívicas de dedicação leal ao País e do governo pelo mérito.

É importante que todos os Portugueses se revejam nestas comemorações. Os cem anos da República devem, de resto, ser um motivo para que nos mobilizemos em torno de desígnios que são da colectividade como um todo.

O pluralismo é um ideal republicano e, por isso, também aqui o pluralismo deve ser respeitado. A República não representa o triunfo de um grupo sobre outro. O espírito republicano, porque nasceu justamente para acabar com privilégios, não tem proprietários exclusivos nem protagonistas privilegiados.

As Comemorações da República possuem, naturalmente, uma componente histórica, de evocação do passado, de revisitação de uma memória. Mas devem ter, essencialmente, uma dimensão prospectiva, vocacionada para o futuro. Para além do conhecimento objectivo e desapaixonado de um facto tão marcante da nossa História Contemporânea, existe um labor a realizar na aproximação da sociedade civil às instituições políticas da República, tal como, de resto, é enunciado no diploma que criou a estrutura organizativa destas Comemorações.

Em articulação com a Comissão Consultiva, estou certo de que a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República saberá encontrar um justo equilíbrio entre a vertente histórica e a projecção do futuro, entre a componente científica e a componente cívica das Comemorações da República.

Mais do que em torno de ideologias ou formas de ver o mundo, é no universo dos valores e das virtudes éticas que a República deve ser celebrada, porque é aí que reside a sua essência, a sua perenidade.

Na qualidade de Presidente da República e de Presidente da Comissão de Honra das Comemorações do Centenário, saúdo a Comissão que acaba de ser empossada e desejo-lhe os maiores sucessos na execução das tarefas que lhes foram confiadas.

Muito obrigado.

 

Parte do discurso do 1º ministro na abertura oficial das comemorações do centenário da República (Porto, 31 de Janeiro de 2010):

 

(…) A República foi um movimento profundamente reformista, que significou uma nova prioridade à escola e ao nobre ideal de educação para todos. (…)

 

Discurso do Sr. Presidente da República na Cerimónia de Abertura das Comemorações do 1º Centenário da República (Porto, 31 de Janeiro de 2010):

 

Senhor Presidente da Assembleia da República,

Senhor Primeiro-Ministro,

Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto,

Senhor Presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República,
Militares,
Senhoras e Senhores,

 

Saúdo, calorosamente, a cidade do Porto e as suas gentes, de quem Miguel Torga dizia:

“Quem morre pela liberdade todos os séculos, é capaz dos mais espontâneos entusiasmos cívicos.”

Na madrugada de 31 de Janeiro de 1891, os portuenses ergueram-se, percorrendo com entusiasmo patriótico estas ruas e estas praças dispostos a todos os sacrifícios por um ideal cívico.

Acontecimentos internacionais recentes tinham revelado as fragilidades do Portugal da altura. Um republicano ilustre, João Chagas, afirmou a propósito: “... Fez-se, de súbito, a verdade sobre as coisas do Estado.”

Animados pelo ideal da razão, aqueles homens generosos buscavam uma resposta para os impasses de que Portugal sofria.

A revolta fracassou então, mas deixou sementes que frutificariam duas décadas mais tarde, com a instauração da República, em Outubro de 1910. A República cujo centenário começamos hoje mesmo a comemorar.

É tempo de recordar. Decorridos cem anos, sumidas as exaltações, passados os antagonismos, eis o momento oportuno para exercer a arte da memória.

Podemos agora ser justos para sopesar as esperanças e as realizações. Graças à distância de um século, conseguimos agora avaliar com objectividade os feitos e os defeitos que a Primeira República, como qualquer regime, ostentou.

A República nasceu na esperança, mas a sua existência, uma curta vida de quinze anos e alguns meses, foi conturbada.

Os tribunos republicanos souberam difundir o seu sonho, do mesmo modo que o grande pedagogo João de Deus quis que os Portugueses aprendessem a ler: através de “palavras que se digam, que se ouçam, que se entendam, que se expliquem.”

Palavras de esperança foram proclamadas em diversas ocasiões ao longo da nossa História. Palavras como Liberdade, Democracia, República.

Quem invoca aquelas palavras, quem exerce funções em nome delas, é superiormente responsável perante o povo pelo que faz ou deixa de fazer.

Vivemos de novo em democracia. Mais do que dobrámos o tempo de vida do regime iniciado em 1910.

São dias preciosos aqueles em que se consegue fazer renascer a esperança.

Estas Comemorações têm um importante papel a cumprir. Trata-se de inserir os acontecimentos do passado no conjunto da vida de um povo e de os compreender. De falar, ouvir, entender e explicar.

Só assim, obedecendo ao distanciamento que é devido e rejeitando versões oficiais da História, admitindo uma multiplicidade de leituras e de interpretações, poderemos formular juízos e extrair lições.

Uma coisa tenho como certa: a necessidade que sentimos de comemorar a República demonstra que o passado continua em nós, como memória que se quer viva e mobilizadora. Está em nós a capacidade de mudar, de começar de novo todos os dias, podendo ser sempre um pouco melhores, sem pôr tudo em causa. Aprendendo, afinal, com a História.

Na pessoa do seu Presidente, Dr. Artur Santos Silva, felicito a Comissão Organizadora destas Comemorações. Têm sabido interpretar, com dedicação e sentido patriótico, os grandes objectivos que devem nortear a sua realização.

As Comemorações do Centenário poderão ser a semente de um novo espírito de cidadania. As centenas de iniciativas que irão ser lançadas em todo o País, e que se prolongarão para além de 2010, representam a oportunidade ideal para revisitar os valores que unem aqueles que identificam republicanismo com dedicação à Coisa Pública: o amor à Pátria, a ética na vida pública.

Faço votos para que estas comemorações constituam um factor de mobilização nacional, capaz de incutir nos Portugueses do século XXI o mesmo espírito que moveu os revoltosos do 31 de Janeiro: um espírito feito de inconformismo e de esperança, alicerçado no desejo de um Portugal melhor, mais fraterno e mais solidário.

Escolas, autarquias, instituições privadas serão chamadas a tomar parte em múltiplas actividades. Esta é uma festa dos cidadãos. De todos, sem excepção.

A virtude da política democrática reside sobremaneira na sua aptidão para, partindo da divergência, mobilizar e criar unidade. Unidade entre passado e futuro, unidade no presente. Só assim poderemos promover a convergência entre os valores de sempre e as exigências de adaptação a novos tempos.

Bem o entendeu um dos primeiros republicanos, Guerra Junqueiro, quando definiu como projecto “não uma república doutrinária, mas uma larga, franca, nacional, onde caibam todos.”

Um belo ideal que, estou seguro, estas Comemorações ajudarão a cumprir, num momento em que, como em poucas ocasiões na nossa História, tanto precisamos de estar unidos.

Em nome desta esperança colectiva que se chama Portugal, declaro oficialmente abertas as Comemorações do Centenário da República.

 

Discurso do Presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do 1º Centenário da República, DR. ARTUR SANTOS SILVA, na Abertura Oficial dessas Comemorações:

 

Exmo. Senhor

Presidente da República

Presidente da Assembleia da República

Primeiro-ministro

Presidente do Tribunal Constitucional

Presidente do Supremo Tribunal Administrativo

Antigos Presidentes da República

Ministros

Presidente da CMP

Altas Individualidades

 

Éme particularmente grato que a abertura oficial das Comemorações do Centenário da República tenha lugar no Porto.

Primeiro, pelo seu relevante papel na história do liberalismo e, mais tarde, na afirmação dos ideais republicanos. Daqui partiu a Revolução de 1820. A heróica resistência da Cidade durante o cerco do Porto foi decisiva para a vitória liberal. O 31 de Janeiro foi mais um importante marco nessa linha libertadora.

Depois, durante a I República, a Cidade do Porto veio também a assumir relevante protagonismo, bem como na resistência ao Estado Novo. Destaco a sua determinante contribuição para o MUD – Movimento de Unidade Democrática, logo a seguir à 2ª. Grande Guerra, e o seu papel nas eleições presidenciais a que concorreram Norton de Matos e Humberto Delgado, momentos do maior significado de contestação pública à Ditadura.

A circunstância de ser herdeiro de três gerações que marcaram a afirmação dos ideais republicanos constituiu para mim um forte estímulo para assumir a responsabilidade de coordenar estas Celebrações.

O meu Bisavô Dionísio dirigiu com João Chagas o jornal “A República Portuguesa” criado em 1890 e que teve papel de relevo na preparação da Revolução de 31 de Janeiro.

O meu Avô, Eduardo Santos Silva, foi Presidente da Câmara do Porto e do Senado Municipal durante 5 anos e foi duas vezes Ministro de Instrução, funções essas exercidas na 1ª. República. Por outro lado, primeiro exilado, depois arbitrariamente demitido da função pública, sempre participou nos principais movimentos de oposição ao Estado Novo.

Finalmente o meu Pai, Artur Santos Silva, tal como seus Irmãos, sempre teve activa participação na resistência ao regime saído do 28 de Maio, sendo por quatro vezes candidato a deputado pela Oposição

Democrática. Foi preso pela PIDE diversas vezes e teve a alegria de ser eleito, em plena liberdade, para a Assembleia Constituinte de 1975.

A República não constitui, apenas, uma mudança formal no modelo da chefia e governo do estado. Traz consigo um programa generoso de regeneração nacional, cujos princípios assentam na herança do liberalismo e nos anseios de justiça social do associativismo popular oitocentista.

A proclamação da República marcou profundamente a sociedade, as instituições e a cultura em Portugal.

Os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da justiça passaram a ser mais veementemente afirmados. Por outro lado, vieram a merecer especial consagração as políticas públicas o combate à pobreza e à desigualdade, bem como a centralidade da instrução e da cultura como factores privilegiados do desenvolvimento humano e da promoção da igualdade.

As Comemorações do Centenário da República devem, naturalmente, afirmar e celebrar os ideais do regime republicano, homenageando a memória daqueles que tudo dedicaram a essa nobre causa. No entanto, mais do que celebrar um século da República, olhando de forma crítica para o que de bom e de mau se fez, o Programa aprovado visa dar um contributo para o revigoramento das práticas cívicas e de aproximação entre os cidadãos e a política, promovendo, também e simultaneamente, o reforço da identidade nacional, referências fundamentais para podermos aspirar a um futuro mais ambicioso e estimulante.

Estão asseguradas mais de 500 iniciativas que se desdobrarão em exposições, colóquios, edições, jogos desportivos, espectáculos e concursos. Na sua maioria resultam da vontade de participação nestas comemorações de elementos da sociedade civil e de entidades públicas, que a Comissão acolheu com agrado. É um sinal de vitalidade democrática do nosso País.

Assumirá preocupação de primeira importância a divulgação de toda a memória republicana junto dos cidadãos em geral, através da comunicação social e da internet, e dos mais jovens em particular, utilizando, para tanto, acções no quadro do sistema educativo e nos media de maior impacto juvenil. As Comemorações têm uma dimensão nacional, contam com um conjunto alargado de parcerias e com a participação da população, especialmente do público mais jovem.

Impõese fazer um balanço plural e crítico sobre a República, aprender com a sua História, projectála no nosso presente, questionar a qualidade da nossa vida democrática.

É útil, por isso, confrontar os ideais e princípios republicanos com os grandes desafios que hoje se colocam à sociedade portuguesa.

Como se consagrou no Relatório da Comissão de Projectos das Comemorações, cabenos a responsabilidade de lutar por “uma República moderna, mais eficiente e ainda mais democrática”.

Para isso, necessitamos sempre e sempre, de instituições democráticas mais fortes, mais adequadas ao nosso tempo: que os Tribunais funcionem, que os Partidos e o Parlamento assegurem uma melhor representação e fiscalização políticas, que o Governo consiga satisfazer melhor as aspirações da sociedade, garantindo padrões de qualidade de vida mais elevados e uma maior base de coesão e de solidariedade social.

Temos de saber revisitar e projectar para o futuro os mais nobres valores republicanos – o patriotismo, o exaltado sentido de cidadania, a dedicação à causa pública, a paixão pela justiça, a procura de progresso social, a liderança pelo exemplo, o desapego dos bens materiais, os deveres morais à altura das mais firmes convicções.

Temos que procurar nestes ideais e nestes valores o programa de mudança que tem de se traduzir não apenas na renovação, mas também – e essencialmente – na regeneração do regime democrático.

 

Senhor Presidente da República,

Senhor Primeiro-ministro,

 

Seria ingénuo pretender que tão exigentes e difíceis objectivos se possam alcançar por um Programa de Comemorações.

Seria, porém, suficiente recompensa para o trabalho realizado e para o conjunto de iniciativas que a partir de hoje se concretizam, que neles se possa ver, no futuro, uma contribuição útil, por muito modesta que seja, para que aqueles grandes propósitos se venham a afirmar.

 

O centenário da República - Artigo do Dr. Mário Soares (12 Janeiro 2010):

O ano de 2010 comemora o centenário da implantação da República, de 5 de Outubro de 1910. Trata-se de uma data muito relevante da nossa História - e extremamente inovadora na Europa - porque a nossa foi a terceira República europeia, depois da França e da Suíça. No início do século XX a regra era os impérios e as monarquias, com a excepção das Américas, nomeadamente a do Norte, que foi a República que serviu de exemplo a todas as outras ibero-americanas.

O Governo decidiu - e bem - constituir uma Comissão Nacional para as Comemorações, presidida pelo Dr. Artur Santos Silva, bisneto de um dos heróis do 31 de Janeiro de 1891, revolta militar e civil frustrada que ocorreu no Porto, com a intenção de derrubar a Monarquia; neto de um ilustre médico, várias vezes ministro da I República, Dr. Eduardo Santos Silva, que deu o nome a um dos principais hospitais da cidade invicta; e filho do ilustre advogado e resistente antifascista Santos Silva, de quem tive a honra de ser amigo.

Seu pai foi de resto, ainda, deputado à Assembleia Constituinte, que elaborou a nossa Constituição e estruturou, no plano legal, a actual II República.

O presidente da Comissão Nacional para as Comemorações não podia, portanto, ser mais bem escolhido para as suas funções, para além do seu alto mérito profissional e cívico.

A Comissão Nacional para as Comemorações, que inicia agora as suas actividades, é composta por figuras destacadas, incluindo professores especializados na história contemporânea e figuras culturais e políticas de grande relevo.

Na passada semana, a Comissão, pela voz do seu presidente, deu uma conferência de imprensa - em que esteve presente a senhora ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas - em que foi revelado o conjunto das comemorações e especificadas algumas iniciativas que irão ocorrer, durante todo o ano, entre as quais: exposições sobre a história da implantação da República; ciclos de debates relacionados com o evento; sessões de cinema; mostras de fotografia; exposições temáticas sobre a importância do ensino na I República; uma exposição de arte no Museu Nacional de Arte Antiga; dois ciclos de colóquios na Fundação Gulbenkian e em Serralves para debater, respectivamente, a "questão da identidade" e "República e laicidade".

Trata-se, portanto, de um projecto ambicioso, vasto e significativo, cujas actividades começam, oficial e significativamente, com uma sessão comemorativa relativa à revolta republicana (frustrada) de 31 de Janeiro de 1891, que constituiu o arranque do movimento revolucionário antimonárquico, após a vergonhosa abdicação real perante o ultimatum inglês. Haverá uma grande exposição na antiga Cadeia da Relação do Porto - onde Camilo esteve preso e escreveu essa obra -prima intitulada Amor de Perdição, sobre a resistência e a luta pela liberdade - e encerrar-se-á em Agosto de 2011, data em que se celebrará o centenário da Constituição de 1911, que instituiu um regime de democracia parlamentar, que durou, infelizmente, escassos 15 anos e, mesmo assim, intercortados por duas ditaduras - Pimenta de Castro e Sidónio Pais - e várias tentativas revolucionárias, conflitos e atentados violentos e pela participação portuguesa na I Guerra Mundial, ao lado dos Aliados França e Inglaterra.

A República não se compreende sem liberdade, democracia e respeito pelos direitos humanos. Foi, assim, que foi vivida a I República. Depois vivemos uma longa ditadura militar (1926-1932), que foi um regime de puro arbítrio, que não foi república nem monarquia, embora no início fosse apoiado por muitos monárquicos. Foi uma ditadura, pura e simples, que conduziu Portugal à beira da bancarrota. Foi depois que Salazar, ditador das Finanças, desde 1928, foi nomeado pelo general Carmona, presidente do Conselho, instituiu o chamado Estado Novo, copiado do fascismo italiano, com o Estatuto do Trabalho copiado da Carta del Lavoro, o Acto Colonial, o Corporativismo e, mais tarde, a Mocidade Portuguesa, a Legião e a Concordata com a Igreja. Sem esquecer a Polícia Política e a Censura, as suas mais poderosas armas.

Salazar disse um dia que "não era monárquico nem republicano". É verdade. Foi sempre e tão-só ditador, como o regime que instituiu. Marcelo Caetano, que o substituiu, por designação do presidente Américo Tomás, nomeado por Salazar, limitou-se a mudar o nome às coisas e deixar tudo na mesma: Polícia Política, Censura, partido único.

É por isso que a longa ditadura que nos oprimiu e bloqueou Portugal - entre 1926 e 1974 - não pode ser considerada república. 

O regime saído da Revolução dos Cravos, que realizou as primeiras eleições livres desde a I República em 28 de Abril de 1975 - 48 anos depois - e a Assembleia Constituinte, que daí resultou, elaborou uma Constituição, em Abril de 1976, que foi a expressão genuína da vontade popular. Criou um Estado de direito e intitulou-se - e muito bem - II República, visto que o interregno, que entre ambas ocorreu, foi tão só uma longa e cruenta ditadura.

As comemorações que irão ter lugar ocupam-se fundamentalmente das duas Repúblicas e também dos movimentos de resistência à ditadura, tanto no plano civil como militar. Mas também, do meu ponto de vista, deveriam ocupar-se em debater o que se pode chamar uma visão da República para o futuro. Ou seja: o que deve ser, no plano político, social, económico e cultural, uma República moderna, num mundo globalizado, em crise e em acelerada mutação.


Sociedade Activa e Contestatária na I República

 


No período da I República, entre a sua criação, a 5 de Outubro de 1910, e a sua queda, a 28 de Maio de 1926, a sociedade portuguesa vai revelar um grande protagonismo político e cultural.
Portugal, desde 1820 (salvo a interrupção no período miguelista, de 1826 a 1834), vivia em regime parlamentar. A República faz-se não para acabar com esse regime, mas sim para eliminar a figura do rei, que do ponto de vista republicano era a causa da degradação moral da Nação. Refira-se, a título de exemplo, que nas palavras de Basílio Teles, famoso republicano, a monarquia tinha sido "a incompetência, o impudor, a opressão". A par do rei, os republicanos irão combater o "clericalismo", pois, segundo estes, os sacerdotes "eram símbolos do obscurantismo e opositores ao uso da livre razão". A grande maioria dos republicanos estava filiada na Maçonaria, organização semi-secreta, com ritos de iniciação e organização interna muito elaborada, para quem Deus era "o grande arquitecto", representado por um triângulo com um olho no seu interior. Apêndice importante da Maçonaria era a Carbonária, organização civil armada (na qual entravam também militares mas a título individual), sem preocupações esotéricas, destinada a servir de braço armado do Partido Republicano.

Entretanto, as ideias republicanas e maçónicas não esgotavam as propostas de reforma social, que incluíam também ideias socialistas, ou comunistas - já que por volta de 1910-1915 estas tinham grande proximidade - e as ideias anarquistas.

Os socialistas pretendiam a transformação da sociedade através da abolição da propriedade, que passaria para a posse da sociedade (donde o nome socialismo). As relações familiares, geradoras de egoísmo familiar, problemas de heranças, etc., seriam substituídas pelo amor livre, e o Estado, após o período revolucionário, acabaria.

Os anarquistas, com princípios sociais idênticos, põem a tónica na liberdade, negando todos os seus símbolos - a religião, a pátria, a escola e a família. A participação nas eleições é por eles desprezada. Rejeitam a intervenção do Estado nos problemas sindicais, defendendo, por exemplo, as "associações de socorros mútuos", afirmando que "a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores", e são partidários da acção imediata através de atentados aos símbolos de autoridade. Os anarquistas constituíam, entre o operariado, a força mais importante e numerosa, dominando os sindicatos (corrente denominada anarco-sindicalismo). Entre todas estas ideias e práticas ir-se-ão, como é compreensível, produzir choques, não só verbais - a linguagem utilizada nos comícios e jornais é agressiva - mas também confrontos físicos e armados. O pequeno burguês da cidade, bem pensante e de chapéu, convencido de que tinha feito uma revolução para o bem da Pátria, não cede facilmente às reivindicações do operário de boné e calças amarrotadas, que o ameaça com greves e lhe lança bombas. Assim, o Partido Democrático de Afonso Costa - partido hegemónico durante a República - vai travar uma luta especialmente em duas frentes: contra a Igreja como instituição, e contra a classe operária organizada em sindicatos (Afonso Costa tinha a alcunha de racha-sindicalistas), criando-se uma acentuada instabilidade no país, com greves e atentados bombistas, ao que os Governos vão ripostar com prisões e encerramento das sedes sindicais e jornais. Aliás, uma das primeiras medidas da República seria a de criar uma "Guarda Republicana" para defender o regime, isto atendendo a que a Polícia não dispunha de efectivos e armamentos para o fazer, e o Exército era "pouco fiel". A Guarda Republicana deveria ter uma postura imparcial, evitando imiscuir-se em problemas internos, o que foi esquecido muitas vezes. Paralelamente, a par dessas duas "frentes" principais, vai surgir uma outra: a luta contra os republicanos que pretendessem uma pacificação do país através de medidas restritivas da liberdade e do parlamentarismo.

Como episódios mais marcantes e notórios destas lutas poderemos falar de várias greves gerais reprimidas violentamente e a revolta de 14 de Maio de 1915, que se destinou a restabelecer a República (o Presidente Pimenta de Castro havia levado a cabo, quatro meses antes, um golpe de Estado "palaciano" para retirar o poder ao Partido Democrático), a qual causou centenas de mortos e feridos.

Nessa situação as forças tradicionais, monárquicas e católicas, iriam também reagir: por um lado, através de intentonas militares, chefiadas sobretudo por Paiva Couceiro, como as invasões do Norte de Portugal em 1911 e 1912. A um nível mais teórico surgiu a ideologia apoiada na revista "A Nação Portuguesa", fundada em Coimbra, em Abril de 1914. Os defensores desta teoria, como António Sardinha, Hipólito Raposo, Pequito Rebelo e outros, defendiam uma monarquia na qual o rei tivesse um poder efectivo, nomeando os seus ministros livremente, isto é, sem estar sujeito à composição do Parlamento, uma política firmemente nacionalista; isto enquanto faziam a crítica ao regime parlamentarista e propunham a representação corporativa e regional, bem como um lugar apropriado para a Igreja Católica. Os integralistas atacam os "estrangeiros do interior" e os "iberistas" (partidários da união política de Portugal e Espanha num só país). As ideias políticas do Integralismo Lusitano irão influenciar Salazar, o qual, entretanto, rejeita a ideia - que para os integralistas era básica - de restauração da monarquia.

No campo artístico, a República é quase contemporânea do Manifesto Futurista, escrito por um italiano, Marinetti, em 1909, manifesto esse que defende: a) desprezo pelo passado, para que de tal desprezo nasça a vontade de criar e construir o futuro; b) ódio aos museus, às academias, aos professores e a tudo o que é tradicional, clássico, pedante, estreito, estacionário e obscuro; c) amor à velocidade, à liberdade, à energia, ao perigo, à força física e à violência; d) desprezo do sentimentalismo e do luar; amor à vida frenética e moderna; e) desprezo de toda a forma de plágio; veneração da originalidade. Este manifesto, pelo seu altivo desprezo pela ordem estabelecida, anuncia claramente um mundo diferente. Em Portugal o seu eco foi pouco posterior, encontrando-se a sua expressão teórica na revista "Orpheu" (figura mitológica da antiga Grécia, que, segundo a lenda, tocava uma doce música para domar as feras) e isto muito embora dele só tenham sido publicados dois números, em Março e em Julho de 1915. Menos radical, entretanto, que os seus pais espirituais, declarava erguer-se "não contra o que há de bom no classicismo e no romantismo, mas sim contra o que se mascara apenas com o sinal externo da perfeição". O grupo de artistas que se reúne à volta de "Orpheu" incluía os pintores Amadeo de Souza-Cardoso, que, nascido em 1887, viria a falecer vítima da pneumónica em 1918, e Guilherme Santa-Rita, nascido em 1889 e falecido em 1918; o poeta Mário de Sá-Carneiro nascido em 1890 e que viria a suicidar-se em Paris em 1916 - um adolescente que nunca chegou a ser adulto, marcado pela perda da mãe aos 2 anos e da avó aos 9 anos; Almada Negreiros, nascido em 1893, pintor, escritor e poeta, que iria escrever o famoso "Manifesto Anti-Dantas", sátira brutal contra a superficialidade e o academismo; e Fernando Pessoa, nascido a 1888, sob um dos seus heterónimos. Um dos motivos do escândalo causado por esta revista foi a publicação no seu segundo número de um poema de Ângelo Lima, que estava internado no manicómio de Rilhafoles.

 As Consequências Económicas e Sociais da Grande Guerra

Em 1914, iniciou-se uma terrível guerra no Centro da Europa, a qual viria a envolver quase todas as nações europeias. Portugal, embora não directamente envolvido, acabou por entrar na guerra, sobretudo por fidelidade à sua velha aliada, a Grã-Bretanha - então a maior potência naval, e por tal motivo indispensável apoio a quem, como Portugal, tinha um Império tão repartido pelo Mundo. A somar a isto temeu o Governo vir a perder as suas colónias em África, caso não entrasse na contenda. A guerra em África começou mais cedo, logo a partir de 1914; a guerra na Europa, para Portugal, só começaria em Janeiro de 1917, data em que partiu o primeiro contingente português para França. A guerra propriamente dita teve custos elevados em vidas humanas e mesmo em capitais; mas também a população civil, embora poupada aos seus horrores - pois a guerra passava-se muito longe -, iria sofrer os seus efeitos, devido aos ataques alemães aos navios, impedindo, assim, o reabastecimento em géneros alimentícios, nos quais Portugal não era auto-suficiente. A carência de géneros provocou a alta de preços e situações de açambarcamento. O agudizar das tensões sociais aumentou e verificaram-se vários episódios de saques a mercearias e armazéns, com dezenas de mortos. As difíceis condições de vida, aliadas aos pesadelos sofridos nos campos de combate, destruíram a antiga ordem; e, enquanto uns procuram enriquecer a qualquer custo e outros apenas sobreviver, outros anseiam por um novo mundo. A esta luz podem entender-se vários movimentos culturais e sociais que irão nascer ou afirmar-se com mais força no pós-guerra: o Saudosismo, o grupo Seara Nova e a fundação do Partido Comunista, isto a par de um aumento das vocações religiosas.

O Saudosismo foi um movimento defensor dos valores tradicionais, populares, o neo-romantismo, a comunhão com a Natureza. As palavras-chave deste estilo eram "sombra", "ausência", "alma". É interessante notar que este grupo se reunia à volta da revista A Águia, fundada no Porto logo após a revolução de 5 de Outubro de 1910, e que havia começado por ser um órgão anticlerical, antijesuíta, que propunha a reforma do ensino como meio de rejuvenescimento moral e físico; os novos valores do Saudosismo que a revista passa a defender dizem bem da alteração de mentalidades entretanto verificada. Fernando Pessoa, que iniciou a sua vida literária colaborando nesta revista, caracterizou o Saudosismo por: vacuidade, subtileza, complexidade e por exprimir uma religiosidade nova. O iniciador deste estilo foi Teixeira de Pascoaes (pseudónimo de Joaquim Teixeira de Vasconcelos, 1879-1952), sendo outros nomes conhecidos os de Guerra Junqueiro, António Correia de Oliveira, Jaime Cortesão, Afonso Lopes Vieira, Mário Beirão, etc.

O grupo da "Seara Nova" vai defender um socialismo cooperativista - a par da apologia da imaginação criadora, do experimentalismo e da educação pela responsabilidade. A revista "Seara Nova" foi fundada em 1921 e o seu chefe-de-fila era António Sérgio, nascido em Damão em 1883, oriundo de famílias de oficiais da Marinha, sendo seus parceiros Raul Proença, Jaime Cortesão, Afonso Lopes Vieira e Aquilino Ribeiro. Os "seareiros" não pretendiam formar-se em grupo destinado a exercer o poder, mas sim a provocar uma transformação das mentalidades, "opondo-se ao espírito da rapina da oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classe e partidos", bem como a "contribuir para formar, acima das pátrias, uma consciência internacional bastante forte, para não permitir novas lutas fratricidas".
Em 1921 é fundado o Partido Comunista Português. Fruto da tomada do poder pelos bolchevistas na Rússia - rebaptizada de União Soviética -, este partido surge a partir dos movimentos socialista e anarquista, tendo em relação a estes o carácter distintivo de privilegiar o aspecto organizativo - a criação de um partido disciplinado e forte - como requisito indispensável para a tomada do poder.

No campo religioso os constantes ataques dos republicanos, bem como as misérias criadas pela guerra, levam a uma maior reflexão e aprofundamento dos valores cristãos, de que são exemplo as obras do último período de Leonardo Coimbra, as conversões de Alfredo Pimenta e outras figuras da cena política e social e as aparições de Fátima.

As lutas políticas vão traduzir-se - entre muitos outros episódios - no assassinato do Presidente da República, Sidónio Pais, em Dezembro de 1918; nas greves de 1919 dos Caminhos-de-Ferro, que o Governo combateu obrigando a que o vagão que ia à cabeça das carruagens que circulavam fosse carregado de grevistas, guardados à vista por soldados armados, isto para evitar que estas sofressem atentados à bomba; na "noite sangrenta" de 19 de Outubro de 1921, em que vários dos fundadores da República foram fuzilados por soldados da Guarda Republicana e da Marinha, etc.

Contra todo este clima de desordem as reacções dos vários governos que se vão sucedendo, embora violentas, nunca são consequentes; os encerramentos das sedes da União Operária Nacional, fundada em 1914, ou da Confederação da União Geral do Trabalho, fundada em 1919, ambas de tendência anarquista, eram sempre por um período de tempo curto; as suspensões de professores, como a de Salazar e do "grupo de Coimbra", acusados de apoiar a "monarquia do Norte" de 1919, também se resumiram apenas a um período de dois meses, de Março a Abril; o assassino de Sidónio Pais foi libertado durante a "noite sangrenta"; o promotor que deveria acusar os revolucionários de 1925 fez, ao invés, a sua defesa política e os réus foram todos absolvidos.

No entanto, esse relativo apagar das autoridades face às convulsões sociais radica no facto de os republicanos serem herdeiros espirituais da Revolução Francesa, a qual se baseava na "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" e na rapidez com que os governos se alternavam, o que fazia com que as sucessivas políticas fossem inconsequentes.

É de notar que, enquanto o mundo actual caminha para a globalização, no período em que estamos, Portugal, embora esteja sujeito à penetração de ideias do estrangeiro, como o anti-clericalismo, o socialismo, e até, em parte, o próprio "integralismo lusitano", esse fenómeno não atingia as proporções a que estamos habituados; é, aliás, interessante notar que uma das críticas que o grupo da Seara Nova irá fazer aos integralistas é a de que estes, com as suas ideias nacionalistas, ignoravam o mundo exterior, já bem presente através do telégrafo e do telefone. Isso explica que as experiências sociais nos diversos países da Europa de então fossem diversas, pelo que os partidários das diferentes ideologias podiam ter uma esperança razoável de que, desde que fossem suficientemente fortes na defesa das suas convicções, a sua ideologia chegaria ao poder, o que muito contribuiu para a virulência das lutas sociais nessa época.

Mas todos estes movimentos afectavam, sobretudo, as cidades e vilas mais importantes, pois a maioria da população era analfabeta, não podendo votar nem participar em tertúlias literárias. De acordo com o Censo de 1911, 80% da população vivia no campo, muita dela analfabeta - o analfabetismo rondava os 75% da população e era maior nas áreas rurais; e pela legislação aprovada pelo Partido Democrático em 1913 havia sido retirado o voto aos analfabetos, considerados susceptíveis de seguir acriticamente as opiniões do clero.

Por isso, para muitos portugueses todas estas diferenças ideológicas se sentiam mais nos preços e escassez dos produtos do que nos ecos das bombas e das balas, quer verbais, quer propriamente ditas (será excepção, entretanto, o Alentejo, no qual há importantes greves dos jornaleiros) e a opção que lhes irá restar será a emigração para o Brasil, especialmente forte nesse período.



Sociedade Activa e Contestatária na I República.

 In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010.  [Consult.2010-09-12]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$sociedade-activa-e-contestataria-na-i>.