sexta-feira, 15 de janeiro de 2021
Ay Carmela! - Música Espanhola Anti-Fascista
sábado, 14 de novembro de 2020
Evocação do Dia em Memória do Holocausto
O Dia de Memória do Holocausto faz parte, desde 2009, do nosso calendário parlamentar, em sintonia com a iniciativa das Nações Unidas, que consagrou, em 2005, o dia 27 de janeiro como Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
Concebemos
esta comemoração como um momento solene de reflexão sobre as causas e as
consequências do Holocausto, lembrando e homenageando a memória das vítimas do
nazismo e dos seus colaboradores.
Entendemos
a celebração desta data como de afirmação da dignidade da pessoa humana e dos
demais direitos fundamentais consagrados na Constituição, na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Ao
assinalarmos, este ano, o 75.º aniversário da libertação do campo de extermínio
de Auschwitz-Birkenau, é importante reconhecer que o antissemitismo, o racismo
e a xenofobia não começaram com nazismo e não terminaram com o fim da II Guerra
Mundial.
Não
podemos ignorar que ao longo dos séculos, e por toda a parte do globo, sempre
se verificaram manifestações de ódio e atos de violência contra judeus.
O
Holocausto é exemplo maior da barbárie nazi, com seis milhões de judeus mortos
e um número indeterminado de outros seres humanos perseguidos, encarcerados,
deportados ou mortos pelas suas crenças, opções políticas, orientação sexual,
condições físicas ou origens,
Mas
não surgiu do vazio.
Foi
um programa estabelecido e executado de forma planeada, por etapas, sustentado
numa cultura de ódio e de preconceito, promovido e alimentado por uma forte e
eficaz campanha de propaganda e desinformação, que soube explorar a crise
financeira e social do pós I Guerra Mundial.
Foi
um propósito que contou com a cumplicidade, a colaboração – ativa ou passiva –
e a indiferença de parte significativa da população de vários Estados.
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Recordar
o Holocausto, e as suas consequências, é um imperativo moral. Para o prevenir é
indispensável conhecer as suas causas, o contexto em que surgiu, a conjuntura
que o tornou possível.
Não
por acaso, a Resolução das Nações Unidas que estabeleceu o Dia Internacional
insta os Estados Membros a desenvolverem programas educacionais dirigidos às
novas gerações visando esse objetivo.
Portugal
reforçou o seu compromisso nesta área ao tornar-se, em 2019, o 34.º
Estado-Membro da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto,
organização que tem o intuito de dinamizar a cooperação internacional em
matéria de Educação, Memória e Investigação do Holocausto.
O
currículo escolar português aborda já esta temática em diversas disciplinas e
em múltiplos anos, nomeadamente no domínio dos Direitos Humanos, de acordo com
a Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania.
Algumas
das ações desenvolvidas contam mesmo com a participação de vários parceiros
institucionais, nomeadamente o Mémorial de la Shoah, a Memoshoá, a
Associação de Professores de História, entre outros.
Se a
História é imprescindível para desvendar este período negro da Humanidade e nos
avisar para as suas consequências, a Educação para a Cidadania, ao fomentar o
respeito pelo Outro numa sociedade inclusiva, promotora da igualdade, da
democracia e da justiça social, é essencial para frustrar as manifestações de
xenofobia e de racismo, e a ocorrência de atos de violência com estas
relacionados.
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Na
evocação do Dia de Memória do Holocausto é também justo recordar os que não
assistiram passivamente à propagação do mal, tantas vezes com riscos para a
própria vida, a sua liberdade ou sustento.
Aristides
de Sousa Mendes foi um desses Homens.
Contrariando
as instruções do Governo Português – a célebre circular n.º 14, de novembro de
1939 –, Aristides de Sousa Mendes emitiu vistos a todos os que o solicitaram,
sem distinções e restrições.
Graças
a este gesto, estima-se que centenas de vidas foram salvas.
Por
este ato de coragem, em obediência aos seus princípios e consciência, Aristides
de Sousa Mendes foi punido.
É,
pois, com agrado que a Assembleia da República, Casa da Democracia, se associa,
nesta cerimónia evocativa do Dia Internacional da Memória do Holocausto, à
homenagem devida a este Homem, que honra todos os Portugueses, através da
Exposição “Além do Dever” e da apresentação do documentário sobre a sua vida.
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Ao
terminar, gostaria de recordar, pelo seu significado, as palavras de Thomas
Buergenthal, um sobrevivente do Holocausto e antigo Juiz do Tribunal
Internacional de Justiça, retiradas do discurso que proferiu nas Nações Unidas,
a 31 de janeiro de 2018, na celebração desta data:
«O
Holocausto não foi apenas uma tragédia judaica; foi uma tragédia de significado
universal. Toda a humanidade foi sua vítima. A menos que esta verdade seja
reconhecida e aceite, o Holocausto será tratado apenas como um problema
judaico, diminuindo assim o carácter universal e o significado da tragédia
humana que foi».
Não
podemos deixar que isso aconteça.
A
todos agradeço a presença e a atenção.
Muito
obrigado.
Eduardo
Ferro Rodrigues
Presidente
da Assembleia da República
13.02.2020 | Cerimónia de Evocação do Dia de Memória do Holocausto |
Salão
Nobre da Assembleia da República, Palácio de São Bento
segunda-feira, 5 de outubro de 2020
Discursos proferidos no 1º centenário da 1ª República
Discurso
do Presidente da República na tomada de Posse da Comissão Organizadora das
Comemorações do Centenário da República (Lisboa, 12 de Junho de 2008):
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Membros da Comissão Nacional para as
Comemorações do Centenário da República,
Senhoras e Senhores,
As Comemorações do Centenário da República irão ser
uma das mais importantes realizações cívicas e culturais que Portugal levará a
cabo no futuro próximo.
O ano de 2010 avizinha-se e, por isso, há que avançar com
rapidez e dinamismo. Mas também com serenidade e, sobretudo, com a elevação que
a República de todos nós exige.
A Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário
da República tem à sua frente uma tarefa de grande relevância e
responsabilidade: conceber e concretizar um Programa que mobilize todos os
Portugueses. O Centenário da República deve ser uma celebração de alegria e de
festa, sem criar fracturas artificiais ou divisões que não se inscrevem no
âmbito específico das comemorações da República.
Os méritos de jurista e de gestor do Dr. Artur Santos
Silva, a sua cultura humanista, as capacidades que demonstrou na coordenação de
projectos culturais de grande envergadura, as suas qualidades cívicas e morais
asseguram que, sob a sua presidência, a Comissão desempenhará com sucesso a
missão que lhe foi confiada.
Dos vogais da Comissão, personalidades de reconhecidos
méritos, todos confiam que irão exercer as suas honrosas funções com
independência e espírito de equipa, trabalhando apenas com um objectivo:
contribuir para que o centenário da República seja celebrado com dignidade,
unindo os Portugueses em torno de um ideal colectivo que agora celebra cem
anos.
Antes de ser uma forma de governo, a República é um
projecto de cidadania. É este o sentido com que deve ser celebrada a República:
como ideal ético, como modelo das virtudes cívicas de dedicação leal ao País e
do governo pelo mérito.
É importante que todos os Portugueses se revejam
nestas comemorações. Os cem anos da República devem, de resto, ser um motivo
para que nos mobilizemos em torno de desígnios que são da colectividade como um
todo.
O pluralismo é um ideal republicano e, por isso,
também aqui o pluralismo deve ser respeitado. A República não representa o
triunfo de um grupo sobre outro. O espírito republicano, porque nasceu
justamente para acabar com privilégios, não tem proprietários exclusivos nem
protagonistas privilegiados.
As Comemorações da República possuem, naturalmente,
uma componente histórica, de evocação do passado, de revisitação de uma
memória. Mas devem ter, essencialmente, uma dimensão prospectiva, vocacionada
para o futuro. Para além do conhecimento objectivo e desapaixonado de um facto
tão marcante da nossa História Contemporânea, existe um labor a realizar na
aproximação da sociedade civil às instituições políticas da República, tal
como, de resto, é enunciado no diploma que criou a estrutura organizativa
destas Comemorações.
Em articulação com a Comissão Consultiva, estou certo
de que a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República
saberá encontrar um justo equilíbrio entre a vertente histórica e a projecção
do futuro, entre a componente científica e a componente cívica das Comemorações
da República.
Mais do que em torno de ideologias ou formas de ver o
mundo, é no universo dos valores e das virtudes éticas que a República deve ser
celebrada, porque é aí que reside a sua essência, a sua perenidade.
Na qualidade de Presidente da República e de
Presidente da Comissão de Honra das Comemorações do Centenário, saúdo a
Comissão que acaba de ser empossada e desejo-lhe os maiores sucessos na
execução das tarefas que lhes foram confiadas.
Muito obrigado.
Parte do discurso do 1º ministro na abertura oficial das comemorações
do centenário da República (Porto, 31 de Janeiro de 2010):
(…) A República foi um movimento profundamente
reformista, que significou uma nova prioridade à escola e ao nobre ideal de
educação para todos. (…)
Discurso
do Sr. Presidente da República na Cerimónia de Abertura das Comemorações do 1º Centenário
da República (Porto, 31 de Janeiro de 2010):
Senhor Presidente da Assembleia da
República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhor Presidente da Câmara Municipal do
Porto,
Senhor Presidente da Comissão Nacional
para as Comemorações do Centenário da República,
Militares,
Senhoras e Senhores,
Saúdo, calorosamente, a cidade do Porto e
as suas gentes, de quem Miguel Torga dizia:
“Quem morre pela liberdade todos os
séculos, é capaz dos mais espontâneos entusiasmos cívicos.”
Na madrugada de 31 de Janeiro de 1891, os
portuenses ergueram-se, percorrendo com entusiasmo patriótico estas ruas e
estas praças dispostos a todos os sacrifícios por um ideal cívico.
Acontecimentos internacionais recentes
tinham revelado as fragilidades do Portugal da altura. Um republicano ilustre,
João Chagas, afirmou a propósito: “... Fez-se, de súbito, a verdade sobre as
coisas do Estado.”
Animados pelo ideal da razão, aqueles
homens generosos buscavam uma resposta para os impasses de que Portugal sofria.
A revolta fracassou então, mas deixou
sementes que frutificariam duas décadas mais tarde, com a instauração da
República, em Outubro de 1910. A República cujo centenário começamos hoje mesmo
a comemorar.
É tempo de recordar. Decorridos cem anos,
sumidas as exaltações, passados os antagonismos, eis o momento oportuno para
exercer a arte da memória.
Podemos agora ser justos para sopesar as
esperanças e as realizações. Graças à distância de um século, conseguimos agora
avaliar com objectividade os feitos e os defeitos que a Primeira República,
como qualquer regime, ostentou.
A República nasceu na esperança, mas a
sua existência, uma curta vida de quinze anos e alguns meses, foi conturbada.
Os tribunos republicanos souberam
difundir o seu sonho, do mesmo modo que o grande pedagogo João de Deus quis que
os Portugueses aprendessem a ler: através de “palavras que se digam, que se
ouçam, que se entendam, que se expliquem.”
Palavras de esperança foram proclamadas
em diversas ocasiões ao longo da nossa História. Palavras como Liberdade,
Democracia, República.
Quem invoca aquelas palavras, quem exerce
funções em nome delas, é superiormente responsável perante o povo pelo que faz
ou deixa de fazer.
Vivemos de novo em democracia. Mais do
que dobrámos o tempo de vida do regime iniciado em 1910.
São dias preciosos aqueles em que se
consegue fazer renascer a esperança.
Estas Comemorações têm um importante
papel a cumprir. Trata-se de inserir os acontecimentos do passado no conjunto
da vida de um povo e de os compreender. De falar, ouvir, entender e explicar.
Só assim, obedecendo ao distanciamento
que é devido e rejeitando versões oficiais da História, admitindo uma
multiplicidade de leituras e de interpretações, poderemos formular juízos e
extrair lições.
Uma coisa tenho como certa: a necessidade
que sentimos de comemorar a República demonstra que o passado continua em nós,
como memória que se quer viva e mobilizadora. Está em nós a capacidade de
mudar, de começar de novo todos os dias, podendo ser sempre um pouco melhores,
sem pôr tudo em causa. Aprendendo, afinal, com a História.
Na pessoa do seu Presidente, Dr. Artur
Santos Silva, felicito a Comissão Organizadora destas Comemorações. Têm sabido
interpretar, com dedicação e sentido patriótico, os grandes objectivos que
devem nortear a sua realização.
As Comemorações do Centenário poderão ser
a semente de um novo espírito de cidadania. As centenas de iniciativas que irão
ser lançadas em todo o País, e que se prolongarão para além de 2010,
representam a oportunidade ideal para revisitar os valores que unem aqueles que
identificam republicanismo com dedicação à Coisa Pública: o amor à Pátria, a
ética na vida pública.
Faço votos para que estas comemorações
constituam um factor de mobilização nacional, capaz de incutir nos Portugueses
do século XXI o mesmo espírito que moveu os revoltosos do 31 de Janeiro: um
espírito feito de inconformismo e de esperança, alicerçado no desejo de um
Portugal melhor, mais fraterno e mais solidário.
Escolas, autarquias, instituições privadas
serão chamadas a tomar parte em múltiplas actividades. Esta é uma festa dos
cidadãos. De todos, sem excepção.
A virtude da política democrática reside
sobremaneira na sua aptidão para, partindo da divergência, mobilizar e criar
unidade. Unidade entre passado e futuro, unidade no presente. Só assim
poderemos promover a convergência entre os valores de sempre e as exigências de
adaptação a novos tempos.
Bem o entendeu um dos primeiros
republicanos, Guerra Junqueiro, quando definiu como projecto “não uma república
doutrinária, mas uma larga, franca, nacional, onde caibam todos.”
Um belo ideal que, estou seguro, estas
Comemorações ajudarão a cumprir, num momento em que, como em poucas ocasiões na
nossa História, tanto precisamos de estar unidos.
Em nome desta esperança colectiva que se
chama Portugal, declaro oficialmente abertas as Comemorações do Centenário da
República.
Discurso do Presidente da Comissão
Nacional para as Comemorações do 1º Centenário da República, DR. ARTUR SANTOS
SILVA, na Abertura Oficial dessas Comemorações:
Exmo. Senhor
Presidente da República
Presidente da Assembleia da República
Primeiro-ministro
Presidente do Tribunal Constitucional
Presidente do Supremo Tribunal Administrativo
Antigos Presidentes da República
Ministros
Presidente da CMP
Altas Individualidades
É‐me
particularmente grato que a abertura oficial das Comemorações do Centenário da
República tenha lugar no Porto.
Primeiro, pelo seu relevante papel na história
do liberalismo e, mais tarde, na afirmação dos ideais republicanos. Daqui
partiu a Revolução de 1820. A heróica resistência da Cidade durante o cerco do
Porto foi decisiva para a vitória liberal. O 31 de Janeiro foi mais um importante
marco nessa linha libertadora.
Depois, durante a I República, a Cidade do
Porto veio também a assumir relevante protagonismo, bem como na resistência ao
Estado Novo. Destaco a sua determinante contribuição para o MUD – Movimento de
Unidade Democrática, logo a seguir à 2ª. Grande Guerra, e o seu papel nas
eleições presidenciais a que concorreram Norton de Matos e Humberto Delgado,
momentos do maior significado de contestação pública à Ditadura.
A circunstância de ser herdeiro de três
gerações que marcaram a afirmação dos ideais republicanos constituiu para mim
um forte estímulo para assumir a responsabilidade de coordenar estas
Celebrações.
O meu Bisavô Dionísio dirigiu com João Chagas o
jornal “A República Portuguesa” criado em 1890 e que teve papel de relevo na
preparação da Revolução de 31 de Janeiro.
O meu Avô, Eduardo Santos Silva, foi Presidente
da Câmara do Porto e do Senado Municipal durante 5 anos e foi duas vezes
Ministro de Instrução, funções essas exercidas na 1ª. República. Por outro
lado, primeiro exilado, depois arbitrariamente demitido da função pública,
sempre participou nos principais movimentos de oposição ao Estado Novo.
Finalmente o meu Pai, Artur Santos Silva, tal
como seus Irmãos, sempre teve activa participação na resistência ao regime
saído do 28 de Maio, sendo por quatro vezes candidato a deputado pela Oposição
Democrática. Foi preso pela PIDE diversas vezes
e teve a alegria de ser eleito, em plena liberdade, para a Assembleia
Constituinte de 1975.
A República não constitui, apenas, uma mudança formal no modelo
da chefia e governo do estado. Traz consigo um programa generoso de regeneração
nacional, cujos princípios assentam na herança do liberalismo e nos anseios de
justiça social do associativismo popular oitocentista.
A proclamação da República marcou profundamente a sociedade, as
instituições e a cultura em Portugal.
Os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da
igualdade e da justiça passaram a ser mais veementemente afirmados. Por outro
lado, vieram a merecer especial consagração as políticas públicas o combate à
pobreza e à desigualdade, bem como a centralidade da instrução e da cultura
como factores privilegiados do desenvolvimento humano e da promoção da
igualdade.
As Comemorações do Centenário da República devem, naturalmente,
afirmar e celebrar os ideais do regime republicano, homenageando a memória
daqueles que tudo dedicaram a essa nobre causa. No entanto, mais do que
celebrar um século da República, olhando de forma crítica para o que de bom e
de mau se fez, o Programa aprovado visa dar um contributo para o revigoramento
das práticas cívicas e de aproximação entre os cidadãos e a política,
promovendo, também e simultaneamente, o reforço da identidade nacional,
referências fundamentais para podermos aspirar a um futuro mais ambicioso e
estimulante.
Estão asseguradas mais de 500
iniciativas que se desdobrarão em exposições, colóquios, edições, jogos
desportivos, espectáculos e concursos. Na sua maioria resultam da vontade de
participação nestas comemorações de elementos da sociedade civil e de entidades
públicas, que a Comissão acolheu com agrado. É um sinal de vitalidade
democrática do nosso País.
Assumirá preocupação de primeira
importância a divulgação de toda a memória republicana junto dos cidadãos em
geral, através da comunicação social e da internet, e dos mais jovens em
particular, utilizando, para tanto, acções no quadro do sistema educativo e nos
media de maior impacto juvenil. As Comemorações têm uma dimensão nacional,
contam com um conjunto alargado de parcerias e com a participação da população,
especialmente do público mais jovem.
Impõe‐se fazer um balanço plural e
crítico sobre a República, aprender com a sua História, projectá‐la no nosso presente, questionar a qualidade da nossa vida
democrática.
É útil, por isso, confrontar os
ideais e princípios republicanos com os grandes desafios que hoje se colocam à
sociedade portuguesa.
Como se consagrou no Relatório da
Comissão de Projectos das Comemorações, cabe‐nos a responsabilidade de lutar por “uma
República moderna, mais eficiente e ainda mais democrática”.
Para isso, necessitamos sempre e
sempre, de instituições democráticas mais fortes, mais adequadas ao nosso
tempo: que os Tribunais funcionem, que os Partidos e o Parlamento assegurem uma
melhor representação e fiscalização políticas, que o Governo consiga satisfazer
melhor as aspirações da sociedade, garantindo padrões de qualidade de vida mais
elevados e uma maior base de coesão e de solidariedade social.
Temos de saber revisitar e projectar para o futuro os mais
nobres valores republicanos – o patriotismo, o exaltado sentido de cidadania, a
dedicação à causa pública, a paixão pela justiça, a procura de progresso
social, a liderança pelo exemplo, o desapego dos bens materiais, os deveres
morais à altura das mais firmes convicções.
Temos que procurar nestes ideais e nestes valores o programa de
mudança que tem de se traduzir não apenas na renovação, mas também – e
essencialmente – na regeneração do regime democrático.
Senhor Presidente da República,
Senhor Primeiro-ministro,
Seria ingénuo pretender que tão
exigentes e difíceis objectivos se possam alcançar por um Programa de
Comemorações.
Seria, porém, suficiente recompensa
para o trabalho realizado e para o conjunto de iniciativas que a partir de hoje
se concretizam, que neles se possa ver, no futuro, uma contribuição útil, por
muito modesta que seja, para que aqueles grandes propósitos se venham a
afirmar.
O centenário da República - Artigo do Dr.
Mário Soares (12
Janeiro 2010):
O ano de 2010 comemora o centenário da implantação da República, de 5 de
Outubro de 1910. Trata-se de uma data muito relevante da nossa História - e
extremamente inovadora na Europa - porque a nossa foi a terceira República
europeia, depois da França e da Suíça. No início do século XX a regra era os
impérios e as monarquias, com a excepção das Américas, nomeadamente a do Norte,
que foi a República que serviu de exemplo a todas as outras ibero-americanas.
O Governo decidiu - e bem - constituir uma Comissão Nacional para as
Comemorações, presidida pelo Dr. Artur Santos Silva, bisneto de um dos heróis
do 31 de Janeiro de 1891, revolta militar e civil frustrada que ocorreu no
Porto, com a intenção de derrubar a Monarquia; neto de um ilustre médico,
várias vezes ministro da I República, Dr. Eduardo Santos Silva, que deu o nome
a um dos principais hospitais da cidade invicta; e filho do ilustre advogado e
resistente antifascista Santos Silva, de quem tive a honra de ser amigo.
Seu pai foi de resto, ainda, deputado à Assembleia Constituinte, que
elaborou a nossa Constituição e estruturou, no plano legal, a actual II
República.
O presidente da Comissão Nacional para as Comemorações não podia, portanto,
ser mais bem escolhido para as suas funções, para além do seu alto mérito
profissional e cívico.
A Comissão Nacional para as Comemorações, que inicia agora as suas
actividades, é composta por figuras destacadas, incluindo professores
especializados na história contemporânea e figuras culturais e políticas de
grande relevo.
Na passada semana, a Comissão, pela voz do seu presidente, deu uma
conferência de imprensa - em que esteve presente a senhora ministra da Cultura,
Gabriela Canavilhas - em que foi revelado o conjunto das comemorações e
especificadas algumas iniciativas que irão ocorrer, durante todo o ano, entre
as quais: exposições sobre a história da implantação da República; ciclos de
debates relacionados com o evento; sessões de cinema; mostras de fotografia;
exposições temáticas sobre a importância do ensino na I República; uma
exposição de arte no Museu Nacional de Arte Antiga; dois ciclos de colóquios na
Fundação Gulbenkian e em Serralves para debater, respectivamente, a
"questão da identidade" e "República e laicidade".
Trata-se, portanto, de um projecto ambicioso, vasto e significativo, cujas
actividades começam, oficial e significativamente, com uma sessão comemorativa
relativa à revolta republicana (frustrada) de 31 de Janeiro de 1891, que
constituiu o arranque do movimento revolucionário antimonárquico, após a
vergonhosa abdicação real perante o ultimatum inglês. Haverá uma grande
exposição na antiga Cadeia da Relação do Porto - onde Camilo esteve preso e escreveu
essa obra -prima intitulada Amor de Perdição, sobre a resistência e a luta pela
liberdade - e encerrar-se-á em Agosto de 2011, data em que se celebrará o
centenário da Constituição de 1911, que instituiu um regime de democracia
parlamentar, que durou, infelizmente, escassos 15 anos e, mesmo assim,
intercortados por duas ditaduras - Pimenta de Castro e Sidónio Pais - e várias
tentativas revolucionárias, conflitos e atentados violentos e pela participação
portuguesa na I Guerra Mundial, ao lado dos Aliados França e Inglaterra.
A República não se compreende sem liberdade, democracia e respeito pelos
direitos humanos. Foi, assim, que foi vivida a I República. Depois vivemos uma
longa ditadura militar (1926-1932), que foi um regime de puro arbítrio, que não
foi república nem monarquia, embora no início fosse apoiado por muitos
monárquicos. Foi uma ditadura, pura e simples, que conduziu Portugal à beira da
bancarrota. Foi depois que Salazar, ditador das Finanças, desde 1928, foi
nomeado pelo general Carmona, presidente do Conselho, instituiu o chamado
Estado Novo, copiado do fascismo italiano, com o Estatuto do Trabalho copiado
da Carta del Lavoro, o Acto Colonial, o Corporativismo e, mais tarde, a
Mocidade Portuguesa, a Legião e a Concordata com a Igreja. Sem esquecer a
Polícia Política e a Censura, as suas mais poderosas armas.
Salazar disse um dia que "não era monárquico nem republicano". É
verdade. Foi sempre e tão-só ditador, como o regime que instituiu. Marcelo
Caetano, que o substituiu, por designação do presidente Américo Tomás, nomeado
por Salazar, limitou-se a mudar o nome às coisas e deixar tudo na mesma:
Polícia Política, Censura, partido único.
É por isso que a longa ditadura que nos oprimiu e bloqueou Portugal - entre 1926 e 1974 - não pode ser considerada república.
O regime
saído da Revolução dos Cravos, que realizou as primeiras eleições livres desde
a I República em 28 de Abril de 1975 - 48 anos depois - e a Assembleia
Constituinte, que daí resultou, elaborou uma Constituição, em Abril de 1976,
que foi a expressão genuína da vontade popular. Criou um Estado de direito e
intitulou-se - e muito bem - II República, visto que o interregno, que entre
ambas ocorreu, foi tão só uma longa e cruenta ditadura.
As comemorações que irão ter lugar ocupam-se fundamentalmente das duas
Repúblicas e também dos movimentos de resistência à ditadura, tanto no plano
civil como militar. Mas também, do meu ponto de vista, deveriam ocupar-se em
debater o que se pode chamar uma visão da República para o futuro. Ou seja: o
que deve ser, no plano político, social, económico e cultural, uma República
moderna, num mundo globalizado, em crise e em acelerada mutação.
Sociedade Activa e Contestatária na I República
No período
da I República, entre a sua criação, a 5 de Outubro de 1910, e a sua queda, a
28 de Maio de 1926, a sociedade portuguesa vai revelar um grande protagonismo
político e cultural.
Portugal, desde 1820 (salvo a interrupção no período miguelista, de 1826 a
1834), vivia em regime parlamentar. A República faz-se não para acabar com esse
regime, mas sim para eliminar a figura do rei, que do ponto de vista
republicano era a causa da degradação moral da Nação. Refira-se, a título de
exemplo, que nas palavras de Basílio Teles, famoso republicano, a monarquia
tinha sido "a incompetência, o impudor, a opressão". A par do rei, os
republicanos irão combater o "clericalismo", pois, segundo estes, os
sacerdotes "eram símbolos do obscurantismo e opositores ao uso da livre
razão". A grande maioria dos republicanos estava filiada na Maçonaria,
organização semi-secreta, com ritos de iniciação e organização interna muito
elaborada, para quem Deus era "o grande arquitecto", representado por
um triângulo com um olho no seu interior. Apêndice importante da Maçonaria era
a Carbonária, organização civil armada (na qual entravam também militares mas a
título individual), sem preocupações esotéricas, destinada a servir de braço
armado do Partido Republicano.
Entretanto,
as ideias republicanas e maçónicas não esgotavam as propostas de reforma
social, que incluíam também ideias socialistas, ou comunistas - já que por
volta de 1910-1915 estas tinham grande proximidade - e as ideias anarquistas.
Os
socialistas pretendiam a transformação da sociedade através da abolição da
propriedade, que passaria para a posse da sociedade (donde o nome socialismo).
As relações familiares, geradoras de egoísmo familiar, problemas de heranças,
etc., seriam substituídas pelo amor livre, e o Estado, após o período
revolucionário, acabaria.
Os
anarquistas, com princípios sociais idênticos, põem a tónica na liberdade,
negando todos os seus símbolos - a religião, a pátria, a escola e a família. A
participação nas eleições é por eles desprezada. Rejeitam a intervenção do
Estado nos problemas sindicais, defendendo, por exemplo, as "associações
de socorros mútuos", afirmando que "a emancipação dos trabalhadores
será obra dos próprios trabalhadores", e são partidários da acção imediata
através de atentados aos símbolos de autoridade. Os anarquistas constituíam,
entre o operariado, a força mais importante e numerosa, dominando os sindicatos
(corrente denominada anarco-sindicalismo). Entre todas estas ideias e práticas
ir-se-ão, como é compreensível, produzir choques, não só verbais - a linguagem
utilizada nos comícios e jornais é agressiva - mas também confrontos físicos e
armados. O pequeno burguês da cidade, bem pensante e de chapéu, convencido de
que tinha feito uma revolução para o bem da Pátria, não cede facilmente às
reivindicações do operário de boné e calças amarrotadas, que o ameaça com
greves e lhe lança bombas. Assim, o Partido Democrático de Afonso Costa -
partido hegemónico durante a República - vai travar uma luta especialmente em
duas frentes: contra a Igreja como instituição, e contra a classe operária
organizada em sindicatos (Afonso Costa tinha a alcunha de racha-sindicalistas),
criando-se uma acentuada instabilidade no país, com greves e atentados
bombistas, ao que os Governos vão ripostar com prisões e encerramento das sedes
sindicais e jornais. Aliás, uma das primeiras medidas da República seria a de
criar uma "Guarda Republicana" para defender o regime, isto atendendo
a que a Polícia não dispunha de efectivos e armamentos para o fazer, e o Exército
era "pouco fiel". A Guarda Republicana deveria ter uma postura
imparcial, evitando imiscuir-se em problemas internos, o que foi esquecido
muitas vezes. Paralelamente, a par dessas duas "frentes" principais,
vai surgir uma outra: a luta contra os republicanos que pretendessem uma
pacificação do país através de medidas restritivas da liberdade e do
parlamentarismo.
Como
episódios mais marcantes e notórios destas lutas poderemos falar de várias
greves gerais reprimidas violentamente e a revolta de 14 de Maio de 1915, que
se destinou a restabelecer a República (o Presidente Pimenta de Castro havia
levado a cabo, quatro meses antes, um golpe de Estado "palaciano"
para retirar o poder ao Partido Democrático), a qual causou centenas de mortos
e feridos.
Nessa situação
as forças tradicionais, monárquicas e católicas, iriam também reagir: por um
lado, através de intentonas militares, chefiadas sobretudo por Paiva Couceiro,
como as invasões do Norte de Portugal em 1911 e 1912. A um nível mais teórico
surgiu a ideologia apoiada na revista "A Nação Portuguesa", fundada
em Coimbra, em Abril de 1914. Os defensores desta teoria, como António
Sardinha, Hipólito Raposo, Pequito Rebelo e outros, defendiam uma monarquia na
qual o rei tivesse um poder efectivo, nomeando os seus ministros livremente,
isto é, sem estar sujeito à composição do Parlamento, uma política firmemente
nacionalista; isto enquanto faziam a crítica ao regime parlamentarista e
propunham a representação corporativa e regional, bem como um lugar apropriado para
a Igreja Católica. Os integralistas atacam os "estrangeiros do
interior" e os "iberistas" (partidários da união política de
Portugal e Espanha num só país). As ideias políticas do Integralismo Lusitano
irão influenciar Salazar, o qual, entretanto, rejeita a ideia - que para os
integralistas era básica - de restauração da monarquia.
No campo
artístico, a República é quase contemporânea do Manifesto Futurista, escrito
por um italiano, Marinetti, em 1909, manifesto esse que defende: a) desprezo
pelo passado, para que de tal desprezo nasça a vontade de criar e construir o
futuro; b) ódio aos museus, às academias, aos professores e a tudo o que é
tradicional, clássico, pedante, estreito, estacionário e obscuro; c) amor à
velocidade, à liberdade, à energia, ao perigo, à força física e à violência; d)
desprezo do sentimentalismo e do luar; amor à vida frenética e moderna; e)
desprezo de toda a forma de plágio; veneração da originalidade. Este manifesto,
pelo seu altivo desprezo pela ordem estabelecida, anuncia claramente um mundo
diferente. Em Portugal o seu eco foi pouco posterior, encontrando-se a sua
expressão teórica na revista "Orpheu" (figura mitológica da antiga
Grécia, que, segundo a lenda, tocava uma doce música para domar as feras) e
isto muito embora dele só tenham sido publicados dois números, em Março e em
Julho de 1915. Menos radical, entretanto, que os seus pais espirituais,
declarava erguer-se "não contra o que há de bom no classicismo e no
romantismo, mas sim contra o que se mascara apenas com o sinal externo da
perfeição". O grupo de artistas que se reúne à volta de "Orpheu"
incluía os pintores Amadeo de Souza-Cardoso, que, nascido em 1887, viria a
falecer vítima da pneumónica em 1918, e Guilherme Santa-Rita, nascido em 1889 e
falecido em 1918; o poeta Mário de Sá-Carneiro nascido em 1890 e que viria a
suicidar-se em Paris em 1916 - um adolescente que nunca chegou a ser adulto,
marcado pela perda da mãe aos 2 anos e da avó aos 9 anos; Almada Negreiros,
nascido em 1893, pintor, escritor e poeta, que iria escrever o famoso
"Manifesto Anti-Dantas", sátira brutal contra a superficialidade e o
academismo; e Fernando Pessoa, nascido a 1888, sob um dos seus heterónimos. Um
dos motivos do escândalo causado por esta revista foi a publicação no seu
segundo número de um poema de Ângelo Lima, que estava internado no manicómio de
Rilhafoles.
Em 1914,
iniciou-se uma terrível guerra no Centro da Europa, a qual viria a envolver
quase todas as nações europeias. Portugal, embora não directamente envolvido,
acabou por entrar na guerra, sobretudo por fidelidade à sua velha aliada, a
Grã-Bretanha - então a maior potência naval, e por tal motivo indispensável
apoio a quem, como Portugal, tinha um Império tão repartido pelo Mundo. A somar
a isto temeu o Governo vir a perder as suas colónias em África, caso não
entrasse na contenda. A guerra em África começou mais cedo, logo a partir de
1914; a guerra na Europa, para Portugal, só começaria em Janeiro de 1917, data
em que partiu o primeiro contingente português para França. A guerra
propriamente dita teve custos elevados em vidas humanas e mesmo em capitais;
mas também a população civil, embora poupada aos seus horrores - pois a guerra
passava-se muito longe -, iria sofrer os seus efeitos, devido aos ataques
alemães aos navios, impedindo, assim, o reabastecimento em géneros
alimentícios, nos quais Portugal não era auto-suficiente. A carência de géneros
provocou a alta de preços e situações de açambarcamento. O agudizar das tensões
sociais aumentou e verificaram-se vários episódios de saques a mercearias e
armazéns, com dezenas de mortos. As difíceis condições de vida, aliadas aos
pesadelos sofridos nos campos de combate, destruíram a antiga ordem; e,
enquanto uns procuram enriquecer a qualquer custo e outros apenas sobreviver,
outros anseiam por um novo mundo. A esta luz podem entender-se vários
movimentos culturais e sociais que irão nascer ou afirmar-se com mais força no
pós-guerra: o Saudosismo, o grupo Seara Nova e a fundação do Partido Comunista,
isto a par de um aumento das vocações religiosas.
O Saudosismo
foi um movimento defensor dos valores tradicionais, populares, o
neo-romantismo, a comunhão com a Natureza. As palavras-chave deste estilo eram
"sombra", "ausência", "alma". É interessante
notar que este grupo se reunia à volta da revista A Águia, fundada no
Porto logo após a revolução de 5 de Outubro de 1910, e que havia começado por
ser um órgão anticlerical, antijesuíta, que propunha a reforma do ensino como
meio de rejuvenescimento moral e físico; os novos valores do Saudosismo que a
revista passa a defender dizem bem da alteração de mentalidades entretanto
verificada. Fernando Pessoa, que iniciou a sua vida literária colaborando nesta
revista, caracterizou o Saudosismo por: vacuidade, subtileza, complexidade e
por exprimir uma religiosidade nova. O iniciador deste estilo foi Teixeira de
Pascoaes (pseudónimo de Joaquim Teixeira de Vasconcelos, 1879-1952), sendo
outros nomes conhecidos os de Guerra Junqueiro, António Correia de Oliveira,
Jaime Cortesão, Afonso Lopes Vieira, Mário Beirão, etc.
O grupo da
"Seara Nova" vai defender um socialismo cooperativista - a par da
apologia da imaginação criadora, do experimentalismo e da educação pela
responsabilidade. A revista "Seara Nova" foi fundada em 1921 e o seu
chefe-de-fila era António Sérgio, nascido em Damão em 1883, oriundo de famílias
de oficiais da Marinha, sendo seus parceiros Raul Proença, Jaime Cortesão, Afonso
Lopes Vieira e Aquilino Ribeiro. Os "seareiros" não pretendiam
formar-se em grupo destinado a exercer o poder, mas sim a provocar uma
transformação das mentalidades, "opondo-se ao espírito da rapina da
oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classe e partidos", bem
como a "contribuir para formar, acima das pátrias, uma consciência
internacional bastante forte, para não permitir novas lutas fratricidas".
Em 1921 é fundado o Partido Comunista Português. Fruto da tomada do poder pelos
bolchevistas na Rússia - rebaptizada de União Soviética -, este partido surge a
partir dos movimentos socialista e anarquista, tendo em relação a estes o
carácter distintivo de privilegiar o aspecto organizativo - a criação de um
partido disciplinado e forte - como requisito indispensável para a tomada do
poder.
No campo
religioso os constantes ataques dos republicanos, bem como as misérias criadas
pela guerra, levam a uma maior reflexão e aprofundamento dos valores cristãos,
de que são exemplo as obras do último período de Leonardo Coimbra, as
conversões de Alfredo Pimenta e outras figuras da cena política e social e as
aparições de Fátima.
As lutas
políticas vão traduzir-se - entre muitos outros episódios - no assassinato do
Presidente da República, Sidónio Pais, em Dezembro de 1918; nas greves de 1919
dos Caminhos-de-Ferro, que o Governo combateu obrigando a que o vagão que ia à
cabeça das carruagens que circulavam fosse carregado de grevistas, guardados à
vista por soldados armados, isto para evitar que estas sofressem atentados à
bomba; na "noite sangrenta" de 19 de Outubro de 1921, em que vários
dos fundadores da República foram fuzilados por soldados da Guarda Republicana
e da Marinha, etc.
Contra todo
este clima de desordem as reacções dos vários governos que se vão sucedendo,
embora violentas, nunca são consequentes; os encerramentos das sedes da União
Operária Nacional, fundada em 1914, ou da Confederação da União Geral do
Trabalho, fundada em 1919, ambas de tendência anarquista, eram sempre por um
período de tempo curto; as suspensões de professores, como a de Salazar e do
"grupo de Coimbra", acusados de apoiar a "monarquia do
Norte" de 1919, também se resumiram apenas a um período de dois meses, de
Março a Abril; o assassino de Sidónio Pais foi libertado durante a "noite
sangrenta"; o promotor que deveria acusar os revolucionários de 1925 fez,
ao invés, a sua defesa política e os réus foram todos absolvidos.
No entanto,
esse relativo apagar das autoridades face às convulsões sociais radica no facto
de os republicanos serem herdeiros espirituais da Revolução Francesa, a qual se
baseava na "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" e na rapidez com que
os governos se alternavam, o que fazia com que as sucessivas políticas fossem
inconsequentes.
É de notar
que, enquanto o mundo actual caminha para a globalização, no período em que
estamos, Portugal, embora esteja sujeito à penetração de ideias do estrangeiro,
como o anti-clericalismo, o socialismo, e até, em parte, o próprio
"integralismo lusitano", esse fenómeno não atingia as proporções a
que estamos habituados; é, aliás, interessante notar que uma das críticas que o
grupo da Seara Nova irá fazer aos integralistas é a de que estes, com as suas
ideias nacionalistas, ignoravam o mundo exterior, já bem presente através do
telégrafo e do telefone. Isso explica que as experiências sociais nos diversos
países da Europa de então fossem diversas, pelo que os partidários das
diferentes ideologias podiam ter uma esperança razoável de que, desde que
fossem suficientemente fortes na defesa das suas convicções, a sua ideologia
chegaria ao poder, o que muito contribuiu para a virulência das lutas sociais
nessa época.
Mas todos
estes movimentos afectavam, sobretudo, as cidades e vilas mais importantes,
pois a maioria da população era analfabeta, não podendo votar nem participar em
tertúlias literárias. De acordo com o Censo de 1911, 80% da população vivia no
campo, muita dela analfabeta - o analfabetismo rondava os 75% da população e
era maior nas áreas rurais; e pela legislação aprovada pelo Partido Democrático
em 1913 havia sido retirado o voto aos analfabetos, considerados susceptíveis
de seguir acriticamente as opiniões do clero.
Por isso,
para muitos portugueses todas estas diferenças ideológicas se sentiam mais nos
preços e escassez dos produtos do que nos ecos das bombas e das balas, quer
verbais, quer propriamente ditas (será excepção, entretanto, o Alentejo, no
qual há importantes greves dos jornaleiros) e a opção que lhes irá restar será
a emigração para o Brasil, especialmente forte nesse período.
Sociedade Activa e Contestatária na I
República.
In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora,
2003-2010. [Consult.2010-09-12]. Disponível
na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$sociedade-activa-e-contestataria-na-i>.