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terça-feira, 27 de outubro de 2020
sábado, 11 de novembro de 2017
Banquete à moda brasileira (século XVI)
Foi o "costume bárbaro" que mais impressionou os
europeus que aqui chegaram no século XVI... A morte ritualizada e a deglutição
eucarística dos cativos representava o ponto culminante de uma cerimônia, cujo
objetivo quase único era a vingança.
A vítima era capturada no campo de batalha e pertencia àquele
que primeiro a houvesse tocado; triunfalmente conduzida à aldeia do inimigo,
era insultada por mulheres e crianças (tinha de gritar "eu, vossa comida,
cheguei!"). Após essas agressões, porém, era bem tratada, podendo andar
livremente - fugir era uma vergonha impensável. O cativo passava a usar uma
corda presa ao pescoço: era o calendário que indicava o dia de sua execução - o
qual podia prolongar-se por muitas luas (e até por vários anos).
Na véspera da execução, ao amanhecer, o prisioneiro era
banhado e depilado; mais tarde, o corpo da vítima era pintado de preto, untado
com mel e recoberto com plumas e cascas de ovos, iniciando-se uma grande
beberagem de cauim - um fermentado de mandioca.
Na manhã seguinte, o carrasco avançava pelo pátio dançando e
revirando os olhos. Parava em frente ao prisioneiro e perguntava: "Não
pertences à nação nossa inimiga? Não mataste e devoraste nossos parentes?"
Altiva, a vítima respondia: "Sim, sou muito valente, matei e devorei
muitos." Replicava então o executor: “Agora estás em nosso poder, serás
morto por mim e devorado por todos."
Para a vítima esse era um momento glorioso, já que os índios
brasileiros consideravam o estômago do inimigo a sepultura ideal. O carrasco
desferia então um golpe de tacape na nuca; velhas recolhiam, numa cuia, o
sangue e os miolos - o sangue deveria ser bebido ainda quente. A seguir o
cadáver era assado e escaldado, para permitir a raspagem da pele,
introduzindo-se um bastão no ânus para impedir a excreção. Os membros eram
esquartejados e, depois de feita uma incisão na barriga, as crianças eram
convidadas a devorar os intestinos. Língua e miolos eram destinados aos jovens;
os adultos ficavam com a pele do crânio e as mulheres com os órgãos sexuais. As
mães embebiam os bicos dos seios em sangue e amamentavam os bebês. Os ossos do
morto eram preservados: o crânio, fincado em uma estaca, ficava exposto em
frente à casa do vencedor; os dentes eram usados como colar e as tíbias transformavam-se
em flautas e apitos.
In http://umprofessordehistoria.blogspot.pt/2011/11/banquete-moda-brasileira.html#links
(acesso dia 7.11.2017)
Nota: Tentei contactar o autor deste artigo, que é professor, para me fornecer as fontes de informação, mas nada consegui até hoje.
Nota: Tentei contactar o autor deste artigo, que é professor, para me fornecer as fontes de informação, mas nada consegui até hoje.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
quarta-feira, 28 de junho de 2017
quarta-feira, 10 de maio de 2017
sábado, 30 de julho de 2016
Vila Viçosa - século XVI - "criação de escravos como se fossem cavalos para reprodução"
Desumanização.
Documento pouco conhecido
do século XVI relata criação de escravos, em Vila Viçosa, como se fossem
cavalos para reprodução.
A passagem foi escrita em italiano, no
século XVI, e é assim que surge no espólio da Biblioteca da Ajuda. Traduzida,
revela um português estranho aos leitores contemporâneos e uma realidade
difícil de acreditar. “Tem criação de escravos mouros, alguns dos quais
reservados unicamente para fecundação de grande número de mulheres, como
garanhões, tomando-se registo deles como das raças de cavalos em Itália. Deixam
essas mulheres ser montadas por quem quiserem, pois a cria pertence sempre ao
dono da escrava e diz-se que são bastantes as grávidas. Não é permitido ao
mouro garanhão cobrir as grávidas, sob a pena de 50 açoites, apenas cobre as
que o não estão, porque depois as respetivas crias são vendidas por 30 ou 40
escudos cada uma. Destes rebanhos de fêmeas há muitos em Portugal e nas Índias,
somente para a venda de crias.”
O relato da existência de escravos
reprodutores no Paço Ducal de Vila Viçosa, a mais importante casa nobre
portuguesa, foi feito por João Baptista Venturino da Fabriano, secretário do
cardeal Alexandrino Miguel Bonello, enviado papal à corte portuguesa em 1571
para propor Margarida de Valois como noiva de D. Sebastião. A união do rei de
Portugal com a filha de Henrique II e Catarina de Médici — que acabaria por
casar-se no ano seguinte com Henrique IV e tornar-se a rainha Margot de França,
célebre pela morte de milhares de protestantes —, não se concretizou. E quanto
aos escravos, nada mais se soube.
No século XVI viveriam 350 pessoas no paço
ducal e a criação de escravos teria lugar num terreno ao lado da casa
principal, uma zona ainda hoje conhecida pelos trabalhadores locais como a
“ilha”. Atualmente só resta o chão, coberto de pedras, nas imediações do
picadeiro e do local onde terá estado o torreão onde, em 1512, foi degolada D.
Leonor, de 23 anos, pelo seu marido, o quarto duque de Bragança, D. Jaime,
acusada de ter um pajem de 16 anos por amante.
O paço era então liderado pelo sexto duque
de Bragança, D. João I, que três anos mais tarde acompanhou D. Sebastião na
primeira incursão em África, levando com ele 600 cavaleiros e dois mil
infantes. Não participou, contudo, na desastrosa expedição de 1578 devido a
violentas febres, tendo enviado o primogénito D. Teodósio II, que com dez anos
foi ferido em Alcácer-Quibir e viria a ser pai de D. João IV, aclamado rei de
Portugal em 1640.
O “segredo”, com mais de 400 anos,
continua a ser desconhecido por muitos dos investigadores da escravatura em
Portugal. Os historiadores que o conhecem defendem que o episódio tem de ser
estudado para que se compreenda se foi um caso único ou se representa a ponta
de um novelo espesso.
O primeiro a ficar incomodado com o relato
foi Alexandre Herculano, no século XIX. Nos “Opúsculos”, volume VI, refere o
texto de Venturino, com pudor: “Falando dos escravos, a linguagem do autor é
bastante solta, e por isso não transcreveremos esta passagem. Basta saber que
estes desgraçados eram considerados e tratados como as raças de cavalos em
Itália, e pelo mesmo método, que o que se buscava era ter muitas crias para as
vender a trinta e quarenta escudos”.
Foram as lacunas de Herculano que levaram
Jorge Fonseca, estudioso da escravatura, a procurar o documento original.
Encontrou-o na Biblioteca da Ajuda, traduziu a passagem e publicou-a em 2010 no
livro “Escravos e Senhores na Lisboa Quinhentista”. Um ano depois, Isabel
Castro Henriques, a maior especialista portuguesa da área, cita-a em “Os
Africanos em Portugal, História e Memória, séculos XV-XXI”. E é ela quem mais
se insurge com a inexistência de estudos: “Impõem-se investigações rigorosas.
Este é um documento de extrema violência, em que os escravos são tratados como
cavalos. A investigação é difícil mas tem de ser feita”, afirmou recentemente
numa conferência sobre a escravatura, na Biblioteca Nacional, em Lisboa.
SINAIS
DE ALERTA
Antes de Venturino, Nicolau Clenardo
escrevera cartas em que, embora não tão explícita, é referida uma estrutura de
produção com fins comerciais: “Os mais ricos têm escravos de ambos os sexos e
há indivíduos que fazem bons lucros com a venda dos filhos das escravas
nascidos em casa. Chega-me a parecer que os criam como pombas para levar ao
mercado. Longe de se ofenderem com as ribaldias das escravas, estimam até que
tal suceda.” Testemunha do Portugal do século XVI, Clenardo chegou ao país em
1533 para ser mestre do infante D. Henrique, irmão do rei D. João III e sem
meias-palavras, relatou: “Mal pus os pés em Évora, julguei-me transportado a
uma cidade do inferno: por toda a parte topava negros.”
Na publicação “A herança africana em
Portugal”, Isabel Castro Henriques explica que “desde o início de quinhentos,
os autores sobretudo estrangeiros davam conta de uma atividade de produção,
marcada por um carácter insólito e cruel: a criação de escravos, como se de
animais se tratassem, destinada a abastecer o mercado nacional, mas também para
exportação”. E transcreve uma passagem da Collecção da Legislação Portuguesa
(1763-1790), que denunciava a existência de pessoas “em todo o Reino do
Algarve, e em algumas províncias de Portugal (que tinham) escravas reprodutoras,
algumas mais brancas do que os próprios donos, outras mestiças e ainda outras
verdadeiramente negras, (designadas) ‘pretas’ ou ‘negras’, pela repreensível
propagação delas perpetuarem os cativeiros”.
Questionada sobre as razões da falta de
estudos sobre os escravos, Mafalda Soares da Cunha, professora da Universidade
de Évora e considerada a mais importante estudiosa da Casa de Bragança, não tem
dúvidas: “A investigação histórica mais recente, incentivada pelas novas
agendas historiográficas internacionais, começa a tratar de forma mais
sistemática e menos dependente ideologicamente da questão da presença dos
escravos na história de Portugal. Os resultados são manifestamente
insuficientes, mas o tema deixou de ser maldito e silenciado como o foi no passado
mais recente. Creio mesmo que desperta interesse entre as gerações mais jovens
de historiadores que, de certa forma também entendem o estudo da escravatura
como uma forma de participação nas lutas pelos direitos humanos. Mas ainda
estamos num estádio muito embrionário.”
Fantasmas históricos, os escravos não são
personagens principais. “O estudo de populações com pouco acesso à escrita e
aos recursos de poder é sempre difícil. Não sendo atores reconhecidos pelo
sistema político, pouco falam por si, a menos que colidam com o sistema
instituído. As referências de época são muitas vezes indiretas e distorcidas e
os conhecimentos desses grupos, e em particular dos escravos, exige sempre um
esforço grande de desconstrução das visões dominantes da época e dos contextos
em que se produziram as referências”, explica a especialista.
Há pouca informação, por exemplo, sobre os
escravos agrícolas porque a sua existência não tinha outro interesse para a
época senão como parte dos equipamentos de uma qualquer exploração agrícola.
Mas como sublinha Mafalda Soares da Cunha, “eles existiam e agiam”. Num artigo
na revista “Callipole”, Jorge Fonseca relata que o duque D. Teodósio I, em
1564, teria 48 escravos, dos quais 20 serviam na estrebaria, quatro na cozinha
e na copa e quatro eram varredeiros, entre outras funções. A contabilização
parece ser o mais longe que se consegue ir.
Quanto ao episódio dos reprodutores, relatado por Venturino, Mafalda Soares da Cunha desconhecia-o antes do contacto do Expresso e alerta ser necessário perceber o contexto do relato para compreender a intencionalidade da narrativa e a sua veracidade, mas conclui: “Não excluo evidentemente a possibilidade. A documentação que conheço da Casa de Bragança é totalmente omissa quanto a isso, mas a probabilidade de acontecer parece-me evidente.”
Quanto ao episódio dos reprodutores, relatado por Venturino, Mafalda Soares da Cunha desconhecia-o antes do contacto do Expresso e alerta ser necessário perceber o contexto do relato para compreender a intencionalidade da narrativa e a sua veracidade, mas conclui: “Não excluo evidentemente a possibilidade. A documentação que conheço da Casa de Bragança é totalmente omissa quanto a isso, mas a probabilidade de acontecer parece-me evidente.”
PERGUNTAS & RESPOSTAS
Quando chegaram a Portugal os primeiros escravos
africanos?
Os
primeiros escravos negros entraram em Portugal ainda no século XV, através de
Marrocos, havendo registo de apreensões desde 1441, embora o uso de mão de obra
escrava fosse largamente difundido desde o século XIV. Em 1444 teve lugar o
primeiro carregamento de 235 escravos, trazidos do Golfo de Arguim, atual
Mauritânia. O próprio Infante D. Henrique terá estado presente no primeiro leilão
de escravos em Lagos, o passo inaugural para um importante negócio de
exportação sobretudo para Sevilha, Cádis e Valência.
Quantos escravos
existiam em Portugal no século XVI?
Lisboa abrigava quase dez mil escravos, o que equivaleria a cerca de 10% da população da capital na altura. A maior parte dos escravos encontrava-se no Algarve, região seguida pelo Baixo Alentejo, Vale do Tejo e pelo distrito de Évora. No século XVII, o número diminuiu substancialmente devido ao desvio para o cultivo de açúcar no Brasil.
Lisboa abrigava quase dez mil escravos, o que equivaleria a cerca de 10% da população da capital na altura. A maior parte dos escravos encontrava-se no Algarve, região seguida pelo Baixo Alentejo, Vale do Tejo e pelo distrito de Évora. No século XVII, o número diminuiu substancialmente devido ao desvio para o cultivo de açúcar no Brasil.
Qual a influência da
procura de escravos no continente americano no seu preço?
A partir de 1540, o aumento da procura de escravos para as plantações de açúcar nas Antilhas, primeiro, e depois no Brasil, fez com que o preço dos escravos aumentasse exponencialmente, tendo sido registada uma valorização de mais de 500% em três décadas, segundo o historiador António de Almeida Mendes.
A partir de 1540, o aumento da procura de escravos para as plantações de açúcar nas Antilhas, primeiro, e depois no Brasil, fez com que o preço dos escravos aumentasse exponencialmente, tendo sido registada uma valorização de mais de 500% em três décadas, segundo o historiador António de Almeida Mendes.
Quais os escravos mais
cobiçados pelo tráfico negreiro?
Os escravos “minas”, originários da Costa da Mina, no Golfo da Guiné (Gana, Togo, Benim e Nigéria), eram os mais procurados nos mercados consumidores, devido à maior resistência física. Os “angolas” eram considerados mais frágeis e com uma maior tendência a cometer suicídio. Em 1644, um decreto do D. João VI autorizaria os comerciantes a comprarem diretamente a mão de obra àquela região, como explica o historiador João Pedro Marques no livro “Portugal e a Escravatura dos Africanos”.
Os escravos “minas”, originários da Costa da Mina, no Golfo da Guiné (Gana, Togo, Benim e Nigéria), eram os mais procurados nos mercados consumidores, devido à maior resistência física. Os “angolas” eram considerados mais frágeis e com uma maior tendência a cometer suicídio. Em 1644, um decreto do D. João VI autorizaria os comerciantes a comprarem diretamente a mão de obra àquela região, como explica o historiador João Pedro Marques no livro “Portugal e a Escravatura dos Africanos”.
Quantos escravos morriam
nas viagens nos navios negreiros?
Cerca de um quarto dos escravos morria durante o transporte transatlântico. Outros, cujo número é difícil de precisar, morriam nas viagens do interior até aos portos de embarque. Alguns, ainda, não resistiam à espera pelo embarque nos navios. Chegados ao destino, a vida nas colónias também os matava, o que permitiria totalizar a morte acumulada em todo o processo num patamar superior a 70%.
Cerca de um quarto dos escravos morria durante o transporte transatlântico. Outros, cujo número é difícil de precisar, morriam nas viagens do interior até aos portos de embarque. Alguns, ainda, não resistiam à espera pelo embarque nos navios. Chegados ao destino, a vida nas colónias também os matava, o que permitiria totalizar a morte acumulada em todo o processo num patamar superior a 70%.
Qual o maior destino
mundial de escravos?
O Brasil, entre meados do século XVI e até cerca de 1850, quando 42% do tráfico negreiro, o equivalente a cinco milhões de pessoas, terá partido de África em direção ao território brasileiro. Estima-se que atualmente cerca de um terço da população brasileira descenda de angolanos. Os maiores traficantes mundiais de escravos foram os portugueses radicados no Brasil.
O Brasil, entre meados do século XVI e até cerca de 1850, quando 42% do tráfico negreiro, o equivalente a cinco milhões de pessoas, terá partido de África em direção ao território brasileiro. Estima-se que atualmente cerca de um terço da população brasileira descenda de angolanos. Os maiores traficantes mundiais de escravos foram os portugueses radicados no Brasil.
Portugal foi o primeiro
país a acabar com a escravatura?
Não. Em 1761, o marquês de Pombal, através de um alvará régio, acabou com o
tráfico de escravos para a metrópole. A 10 de dezembro de 1836, uma lei proibiu
o tráfico de escravos nos domínios portugueses ao sul do Equador. A escravatura
continuou no Brasil até 1888, quando o país já era independente. Portugal só a
aboliu totalmente em 1875. Em 1794, o Haiti foi o primeiro país a abolir a
escravatura na sequência de uma revolta de escravos, seguindo-se a Dinamarca em
1804.
Texto publicado na
edição do Expresso de 5 dezembro 2015
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Conímbriga
Fabuloso trabalho sobre Conímbriga!
Montagem audiovisual com a reconstrução em 3D dos edifícios mais importantes desta cidade romana.
A Casa de Cantaber, a Casa dos Repuxos, o Fórum, Termas, Ínsula, os banhos romanos... Formidável!
Montagem audiovisual com a reconstrução em 3D dos edifícios mais importantes desta cidade romana.
A Casa de Cantaber, a Casa dos Repuxos, o Fórum, Termas, Ínsula, os banhos romanos... Formidável!
domingo, 16 de março de 2014
Os árabes na ciência: transmissores ou criadores?
Devemos muito aos Árabes. Foram eles que asseguraram a passagem do testemunho científico desde a Antiguidade Grega, quando começou a ciência, até ao fim da Idade Média, quando começa a irromper a ciência experimental.
Num número especial do final do milénio passado a revista “National Geographic” escolheu as cidades representativas dos finais (ou, se se preferir, inícios de milénio). E lá vem Alexandria, a cidade de ponta na altura do nascimento de Cristo (foi em Alexandria que a herança grega se espraiou ao transpor o Mediterrâneo). Vem Córdoba, a cidade mais desenvolvida no ano 1000 (basta visitar essa cidade andaluza, ou a cidade vizinha de Granada, para confirmar que os Árabes estiveram aí no seu esplendor). E vem também Nova Iorque, a cidade escolhida para símbolo da civilização no ano 2000 (a cidade que alguns árabes fanáticos atacaram em 11 de Setembro de 2001). Sem Córdoba, não se podia ter passado directamente de Alexandria para Nova Iorque. O ano 1000 foi árabe e, sem esse ano, não se podia ter ido do ano um para o ano 2000.
Não há hiatos na evolução civilizacional e cultural da humanidade (é algo redutor falar de civilização ocidental, pois não houve dois Aristóteles nem dois Galileus). O engenheiro electrotécnico e historiador de ciência húngaro K. Simonyi, no seu livro K. Simonyi, “Kulturgeschischte der Physik”, Verlag Harri Deutsch, Frankfurt am Main, 1990 (uma monumental história cultural da física, traduzida do húngaro para alemão) mostra um esquema que representa a função “intensidade da criação intelectual” ao longo do tempo em paralelo na ciência e na arte. Dois picos principais são bem nítidos no lado da ciência, precedidos por picos nas artes: o pico dos Antigos Gregos, com Platão, Aristóteles, Arquimedes e Euclides, e o pico da Revolução Científica, com Galileu e Newton, no século XVII, e que teve duas “réplicas” nos séculos XIX e XX (com Faraday e Darwin, primeiro, e Einstein, Bohr, Heisenberg, etc. depois). Mas entre esses picos científicos há longos vales. Os Árabes, quando viveram a sua idade de oiro, asseguraram, de facto, a transição entre os gregos clássicos (nomeadamente entre essa “réplica” do pico científico grego, que foi o helenismo, e cujo expoente máximo foi Ptolomeu) e os renascentistas. Foi um papel de charneira indispensável.
O matemático e filósofo inglês Bertrand Russel defendeu a ideia de que o papel principal dos Árabes na história da ciência e da civilização foi precisamente esse, o de intermediário entre a Grécia Antiga e a Revolução Científica, mas que lhe faltaria o fulgor da grande criação. Mas muitos autores têm defendido, por outro lado, a tese de que o papel árabe na ciência foi não só de transmissão mas também de criação, por vezes de excelente criação. Têm boas razões para isso. A palavra algarismo é árabe, assim como a palavra algoritmo. O mesmo acontece com a palavra álgebra. O líder palestiniano Yasser Arafat disse, algo irritado e com algum exagero, à jornalista italiana Oriana Falacci (os dois já falecidos) que foram os Árabes que criaram os números e a matemática. O zero é, na Europa, um contributo árabe (a palavra árabe é sifr, vazio, que em português deu cifra). Os Árabes distinguiram-se, entre os séculos V e XV, no período que já alguém chamou “noite de dez séculos”, além da Matemática, nas áreas da Física (em particular, a Óptica), da Química (ou melhor, Alquimia, outra palavra árabe) e da Medicina. Para esses avanços foram essenciais o diálogo cultural e a tolerância religiosa que, em geral, souberam manter. Escrevem os historiadores de ciência franceses Paul Benoit e Françoise Micheau (in Michel Serres, coordenação, «Elementos para uma História das Ciências”, vol. I, “Da Babilónia à Idade Média”, Terramar, 1995) a propósito da ciência árabe:
“A expressão [ciência árabe] pode ser considerada abusiva: uma grande parte dos homens que a praticaram não eram árabes. Mas falar de ciência islâmica tem uma pesada ambiguidade, a palavra dá à actividade científica uma conotação religiosa que ela não tem, os sábios são muçulmanos, mas também cristãos ou judeus. O traço comum que dá uma enorme unidade a estas actividades científicas é simples. A língua, principal factor de unidade, pode legitimamente servir para caracterizar a ciência dos países do Islão na Idade Média, ela é o veículo das ideias, dos conceitos, dos saberes (...) Os primeiros textos científicos em língua árabe são traduções: do grego, do siríaco, do sânscrito, do pélvi, que retomam, amplificando, a actividade dos centros helenistas e persas.”
A língua árabe foi, sem dúvida, ao longo de séculos uma língua de ciência e cultura científica. O capítulo de Benoit e Micheau intitula-se “O intermediário árabe?”, repare-se na interrogação. E a questão inicial é respondida no fim:
“Os Árabes foram muito mais do que simples intermediários. A sua ciência não deve ser considerada como um retransmissor, mas como um tempo na história de uma ciência euro-asiática”.
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