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sábado, 11 de novembro de 2017

Banquete à moda brasileira (século XVI)



Foi o "costume bárbaro" que mais impressionou os europeus que aqui chegaram no século XVI... A morte ritualizada e a deglutição eucarística dos cativos representava o ponto culminante de uma cerimônia, cujo objetivo quase único era a vingança.
A vítima era capturada no campo de batalha e pertencia àquele que primeiro a houvesse tocado; triunfalmente conduzida à aldeia do inimigo, era insultada por mulheres e crianças (tinha de gritar "eu, vossa comida, cheguei!"). Após essas agressões, porém, era bem tratada, podendo andar livremente - fugir era uma vergonha impensável. O cativo passava a usar uma corda presa ao pescoço: era o calendário que indicava o dia de sua execução - o qual podia prolongar-se por muitas luas (e até por vários anos).
Na véspera da execução, ao amanhecer, o prisioneiro era banhado e depilado; mais tarde, o corpo da vítima era pintado de preto, untado com mel e recoberto com plumas e cascas de ovos, iniciando-se uma grande beberagem de cauim - um fermentado de mandioca.
Na manhã seguinte, o carrasco avançava pelo pátio dançando e revirando os olhos. Parava em frente ao prisioneiro e perguntava: "Não pertences à nação nossa inimiga? Não mataste e devoraste nossos parentes?" Altiva, a vítima respondia: "Sim, sou muito valente, matei e devorei muitos." Replicava então o executor: “Agora estás em nosso poder, serás morto por mim e devorado por todos."
Para a vítima esse era um momento glorioso, já que os índios brasileiros consideravam o estômago do inimigo a sepultura ideal. O carrasco desferia então um golpe de tacape na nuca; velhas recolhiam, numa cuia, o sangue e os miolos - o sangue deveria ser bebido ainda quente. A seguir o cadáver era assado e escaldado, para permitir a raspagem da pele, introduzindo-se um bastão no ânus para impedir a excreção. Os membros eram esquartejados e, depois de feita uma incisão na barriga, as crianças eram convidadas a devorar os intestinos. Língua e miolos eram destinados aos jovens; os adultos ficavam com a pele do crânio e as mulheres com os órgãos sexuais. As mães embebiam os bicos dos seios em sangue e amamentavam os bebês. Os ossos do morto eram preservados: o crânio, fincado em uma estaca, ficava exposto em frente à casa do vencedor; os dentes eram usados como colar e as tíbias transformavam-se em flautas e apitos.


In http://umprofessordehistoria.blogspot.pt/2011/11/banquete-moda-brasileira.html#links (acesso dia 7.11.2017)

Nota: Tentei contactar o autor deste artigo, que é professor, para me fornecer as fontes de informação, mas nada consegui até hoje. 

sábado, 30 de julho de 2016

Vila Viçosa - século XVI - "criação de escravos como se fossem cavalos para reprodução"

Reprodução de “Chafariz d’el Rey no séc. XVI” (pintura flamenga, 1570-80, de autor desconhecido, óleo sobre madeira, 93 x 163 cm, Coleção Berardo), onde são visíveis vários africanos a desempenhar diferentes tarefas. Na imagem mais pequena, reprodução da primeira página do documento que está na Biblioteca Nacional da Ajuda, cópia do século XVIII do original de Venturino, que relata o episódio dos escravos reprodutores de Vila Viçosa.
Ao lado, imagem atual do espaço onde existiu a “ilha” no paço ducal da Casa de Bragança, então habitado por escravos. Ainda hoje os trabalhadores se referem à zona pelo mesmo nome.



Desumanização.

Documento pouco conhecido do século XVI relata criação de escravos, em Vila Viçosa, como se fossem cavalos para reprodução.


A passagem foi escrita em italiano, no século XVI, e é assim que surge no espólio da Biblioteca da Ajuda. Traduzida, revela um português estranho aos leitores contemporâneos e uma realidade difícil de acreditar. “Tem criação de escravos mouros, alguns dos quais reservados unicamente para fecundação de grande número de mulheres, como garanhões, tomando-se registo deles como das raças de cavalos em Itália. Deixam essas mulheres ser montadas por quem quiserem, pois a cria pertence sempre ao dono da escrava e diz-se que são bastantes as grávidas. Não é permitido ao mouro garanhão cobrir as grávidas, sob a pena de 50 açoites, apenas cobre as que o não estão, porque depois as respetivas crias são vendidas por 30 ou 40 escudos cada uma. Destes rebanhos de fêmeas há muitos em Portugal e nas Índias, somente para a venda de crias.”
O relato da existência de escravos reprodutores no Paço Ducal de Vila Viçosa, a mais importante casa nobre portuguesa, foi feito por João Baptista Venturino da Fabriano, secretário do cardeal Alexandrino Miguel Bonello, enviado papal à corte portuguesa em 1571 para propor Margarida de Valois como noiva de D. Sebastião. A união do rei de Portugal com a filha de Henrique II e Catarina de Médici — que acabaria por casar-se no ano seguinte com Henrique IV e tornar-se a rainha Margot de França, célebre pela morte de milhares de protestantes —, não se concretizou. E quanto aos escravos, nada mais se soube.
No século XVI viveriam 350 pessoas no paço ducal e a criação de escravos teria lugar num terreno ao lado da casa principal, uma zona ainda hoje conhecida pelos trabalhadores locais como a “ilha”. Atualmente só resta o chão, coberto de pedras, nas imediações do picadeiro e do local onde terá estado o torreão onde, em 1512, foi degolada D. Leonor, de 23 anos, pelo seu marido, o quarto duque de Bragança, D. Jaime, acusada de ter um pajem de 16 anos por amante.
O paço era então liderado pelo sexto duque de Bragança, D. João I, que três anos mais tarde acompanhou D. Sebastião na primeira incursão em África, levando com ele 600 cavaleiros e dois mil infantes. Não participou, contudo, na desastrosa expedição de 1578 devido a violentas febres, tendo enviado o primogénito D. Teodósio II, que com dez anos foi ferido em Alcácer-Quibir e viria a ser pai de D. João IV, aclamado rei de Portugal em 1640.
O “segredo”, com mais de 400 anos, continua a ser desconhecido por muitos dos investigadores da escravatura em Portugal. Os historiadores que o conhecem defendem que o episódio tem de ser estudado para que se compreenda se foi um caso único ou se representa a ponta de um novelo espesso.
O primeiro a ficar incomodado com o relato foi Alexandre Herculano, no século XIX. Nos “Opúsculos”, volume VI, refere o texto de Venturino, com pudor: “Falando dos escravos, a linguagem do autor é bastante solta, e por isso não transcreveremos esta passagem. Basta saber que estes desgraçados eram considerados e tratados como as raças de cavalos em Itália, e pelo mesmo método, que o que se buscava era ter muitas crias para as vender a trinta e quarenta escudos”.
Foram as lacunas de Herculano que levaram Jorge Fonseca, estudioso da escravatura, a procurar o documento original. Encontrou-o na Biblioteca da Ajuda, traduziu a passagem e publicou-a em 2010 no livro “Escravos e Senhores na Lisboa Quinhentista”. Um ano depois, Isabel Castro Henriques, a maior especialista portuguesa da área, cita-a em “Os Africanos em Portugal, História e Memória, séculos XV-XXI”. E é ela quem mais se insurge com a inexistência de estudos: “Impõem-se investigações rigorosas. Este é um documento de extrema violência, em que os escravos são tratados como cavalos. A investigação é difícil mas tem de ser feita”, afirmou recentemente numa conferência sobre a escravatura, na Biblioteca Nacional, em Lisboa.
SINAIS DE ALERTA                      

Antes de Venturino, Nicolau Clenardo escrevera cartas em que, embora não tão explícita, é referida uma estrutura de produção com fins comerciais: “Os mais ricos têm escravos de ambos os sexos e há indivíduos que fazem bons lucros com a venda dos filhos das escravas nascidos em casa. Chega-me a parecer que os criam como pombas para levar ao mercado. Longe de se ofenderem com as ribaldias das escravas, estimam até que tal suceda.” Testemunha do Portugal do século XVI, Clenardo chegou ao país em 1533 para ser mestre do infante D. Henrique, irmão do rei D. João III e sem meias-palavras, relatou: “Mal pus os pés em Évora, julguei-me transportado a uma cidade do inferno: por toda a parte topava negros.”
Na publicação “A herança africana em Portugal”, Isabel Castro Henriques explica que “desde o início de quinhentos, os autores sobretudo estrangeiros davam conta de uma atividade de produção, marcada por um carácter insólito e cruel: a criação de escravos, como se de animais se tratassem, destinada a abastecer o mercado nacional, mas também para exportação”. E transcreve uma passagem da Collecção da Legislação Portuguesa (1763-1790), que denunciava a existência de pessoas “em todo o Reino do Algarve, e em algumas províncias de Portugal (que tinham) escravas reprodutoras, algumas mais brancas do que os próprios donos, outras mestiças e ainda outras verdadeiramente negras, (designadas) ‘pretas’ ou ‘negras’, pela repreensível propagação delas perpetuarem os cativeiros”.
Questionada sobre as razões da falta de estudos sobre os escravos, Mafalda Soares da Cunha, professora da Universidade de Évora e considerada a mais importante estudiosa da Casa de Bragança, não tem dúvidas: “A investigação histórica mais recente, incentivada pelas novas agendas historiográficas internacionais, começa a tratar de forma mais sistemática e menos dependente ideologicamente da questão da presença dos escravos na história de Portugal. Os resultados são manifestamente insuficientes, mas o tema deixou de ser maldito e silenciado como o foi no passado mais recente. Creio mesmo que desperta interesse entre as gerações mais jovens de historiadores que, de certa forma também entendem o estudo da escravatura como uma forma de participação nas lutas pelos direitos humanos. Mas ainda estamos num estádio muito embrionário.”
Fantasmas históricos, os escravos não são personagens principais. “O estudo de populações com pouco acesso à escrita e aos recursos de poder é sempre difícil. Não sendo atores reconhecidos pelo sistema político, pouco falam por si, a menos que colidam com o sistema instituído. As referências de época são muitas vezes indiretas e distorcidas e os conhecimentos desses grupos, e em particular dos escravos, exige sempre um esforço grande de desconstrução das visões dominantes da época e dos contextos em que se produziram as referências”, explica a especialista.
Há pouca informação, por exemplo, sobre os escravos agrícolas porque a sua existência não tinha outro interesse para a época senão como parte dos equipamentos de uma qualquer exploração agrícola. Mas como sublinha Mafalda Soares da Cunha, “eles existiam e agiam”. Num artigo na revista “Callipole”, Jorge Fonseca relata que o duque D. Teodósio I, em 1564, teria 48 escravos, dos quais 20 serviam na estrebaria, quatro na cozinha e na copa e quatro eram varredeiros, entre outras funções. A contabilização parece ser o mais longe que se consegue ir.
Quanto ao episódio dos reprodutores, relatado por Venturino, Mafalda Soares da Cunha desconhecia-o antes do contacto do Expresso e alerta ser necessário perceber o contexto do relato para compreender a intencionalidade da narrativa e a sua veracidade, mas conclui: “Não excluo evidentemente a possibilidade. A documentação que conheço da Casa de Bragança é totalmente omissa quanto a isso, mas a probabilidade de acontecer parece-me evidente.”

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Quando chegaram a Portugal os primeiros escravos africanos?
Os primeiros escravos negros entraram em Portugal ainda no século XV, através de Marrocos, havendo registo de apreensões desde 1441, embora o uso de mão de obra escrava fosse largamente difundido desde o século XIV. Em 1444 teve lugar o primeiro carregamento de 235 escravos, trazidos do Golfo de Arguim, atual Mauritânia. O próprio Infante D. Henrique terá estado presente no primeiro leilão de escravos em Lagos, o passo inaugural para um importante negócio de exportação sobretudo para Sevilha, Cádis e Valência.

Quantos escravos existiam em Portugal no século XVI?
Lisboa abrigava quase dez mil escravos, o que equivaleria a cerca de 10% da população da capital na altura. A maior parte dos escravos encontrava-se no Algarve, região seguida pelo Baixo Alentejo, Vale do Tejo e pelo distrito de Évora. No século XVII, o número diminuiu substancialmente devido ao desvio para o cultivo de açúcar no Brasil.

Qual a influência da procura de escravos no continente americano no seu preço?
A partir de 1540, o aumento da procura de escravos para as plantações de açúcar nas Antilhas, primeiro, e depois no Brasil, fez com que o preço dos escravos aumentasse exponencialmente, tendo sido registada uma valorização de mais de 500% em três décadas, segundo o historiador António de Almeida Mendes.

Quais os escravos mais cobiçados pelo tráfico negreiro?
Os escravos “minas”, originários da Costa da Mina, no Golfo da Guiné (Gana, Togo, Benim e Nigéria), eram os mais procurados nos mercados consumidores, devido à maior resistência física. Os “angolas” eram considerados mais frágeis e com uma maior tendência a cometer suicídio. Em 1644, um decreto do D. João VI autorizaria os comerciantes a comprarem diretamente a mão de obra àquela região, como explica o historiador João Pedro Marques no livro “Portugal e a Escravatura dos Africanos”.

Quantos escravos morriam nas viagens nos navios negreiros? 
Cerca de um quarto dos escravos morria durante o transporte transatlântico. Outros, cujo número é difícil de precisar, morriam nas viagens do interior até aos portos de embarque. Alguns, ainda, não resistiam à espera pelo embarque nos navios. Chegados ao destino, a vida nas colónias também os matava, o que permitiria totalizar a morte acumulada em todo o processo num patamar superior a 70%.

Qual o maior destino mundial de escravos?
O Brasil, entre meados do século XVI e até cerca de 1850, quando 42% do tráfico negreiro, o equivalente a cinco milhões de pessoas, terá partido de África em direção ao território brasileiro. Estima-se que atualmente cerca de um terço da população brasileira descenda de angolanos. Os maiores traficantes mundiais de escravos foram os portugueses radicados no Brasil.

Portugal foi o primeiro país a acabar com a escravatura?
Não. Em 1761, o marquês de Pombal, através de um alvará régio, acabou com o tráfico de escravos para a metrópole. A 10 de dezembro de 1836, uma lei proibiu o tráfico de escravos nos domínios portugueses ao sul do Equador. A escravatura continuou no Brasil até 1888, quando o país já era independente. Portugal só a aboliu totalmente em 1875. Em 1794, o Haiti foi o primeiro país a abolir a escravatura na sequência de uma revolta de escravos, seguindo-se a Dinamarca em 1804.

  
Christiana Martins
Texto publicado na edição do Expresso de 5 dezembro 2015




quarta-feira, 2 de julho de 2014

Visita guiada à sinagoga do Porto


Conímbriga

Fabuloso trabalho sobre Conímbriga!
Montagem audiovisual com a reconstrução em 3D dos edifícios mais importantes desta cidade romana.
A Casa de Cantaber, a Casa dos Repuxos, o Fórum, Termas, Ínsula, os banhos romanos... Formidável!




domingo, 16 de março de 2014

Os árabes na ciência: transmissores ou criadores?



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Devemos muito aos Árabes. Foram eles que asseguraram a passagem do testemunho científico desde a Antiguidade Grega, quando começou a ciência, até ao fim da Idade Média, quando começa a irromper a ciência experimental.

Num número especial do final do milénio passado a revista “National Geographic” escolheu as cidades representativas dos finais (ou, se se preferir, inícios de milénio). E lá vem Alexandria, a cidade de ponta na altura do nascimento de Cristo (foi em Alexandria que a herança grega se espraiou ao transpor o Mediterrâneo). Vem Córdoba, a cidade mais desenvolvida no ano 1000 (basta visitar essa cidade andaluza, ou a cidade vizinha de Granada, para confirmar que os Árabes estiveram aí no seu esplendor). E vem também Nova Iorque, a cidade escolhida para símbolo da civilização no ano 2000 (a cidade que alguns árabes fanáticos atacaram em 11 de Setembro de 2001). Sem Córdoba, não se podia ter passado directamente de Alexandria para Nova Iorque. O ano 1000 foi árabe e, sem esse ano, não se podia ter ido do ano um para o ano 2000.

Não há hiatos na evolução civilizacional e cultural da humanidade (é algo redutor falar de civilização ocidental, pois não houve dois Aristóteles nem dois Galileus). O engenheiro electrotécnico e historiador de ciência húngaro K. Simonyi, no seu livro K. Simonyi, “Kulturgeschischte der Physik”, Verlag Harri Deutsch, Frankfurt am Main, 1990 (uma monumental história cultural da física, traduzida do húngaro para alemão) mostra um esquema que representa a função “intensidade da criação intelectual” ao longo do tempo em paralelo na ciência e na arte. Dois picos principais são bem nítidos no lado da ciência, precedidos por picos nas artes: o pico dos Antigos Gregos, com Platão, Aristóteles, Arquimedes e Euclides, e o pico da Revolução Científica, com Galileu e Newton, no século XVII, e que teve duas “réplicas” nos séculos XIX e XX (com Faraday e Darwin, primeiro, e Einstein, Bohr, Heisenberg, etc. depois). Mas entre esses picos científicos há longos vales. Os Árabes, quando viveram a sua idade de oiro, asseguraram, de facto, a transição entre os gregos clássicos (nomeadamente entre essa “réplica” do pico científico grego, que foi o helenismo, e cujo expoente máximo foi Ptolomeu) e os renascentistas. Foi um papel de charneira indispensável.

O matemático e filósofo inglês Bertrand Russel defendeu a ideia de que o papel principal dos Árabes na história da ciência e da civilização foi precisamente esse, o de intermediário entre a Grécia Antiga e a Revolução Científica, mas que lhe faltaria o fulgor da grande criação. Mas muitos autores têm defendido, por outro lado, a tese de que o papel árabe na ciência foi não só de transmissão mas também de criação, por vezes de excelente criação. Têm boas razões para isso. A palavra algarismo é árabe, assim como a palavra algoritmo. O mesmo acontece com a palavra álgebra. O líder palestiniano Yasser Arafat disse, algo irritado e com algum exagero, à jornalista italiana Oriana Falacci (os dois já falecidos) que foram os Árabes que criaram os números e a matemática. O zero é, na Europa, um contributo árabe (a palavra árabe é sifr, vazio, que em português deu cifra). Os Árabes distinguiram-se, entre os séculos V e XV, no período que já alguém chamou “noite de dez séculos”, além da Matemática, nas áreas da Física (em particular, a Óptica), da Química (ou melhor, Alquimia, outra palavra árabe) e da Medicina. Para esses avanços foram essenciais o diálogo cultural e a tolerância religiosa que, em geral, souberam manter. Escrevem os historiadores de ciência franceses Paul Benoit e Françoise Micheau (in Michel Serres, coordenação, «Elementos para uma História das Ciências”, vol. I, “Da Babilónia à Idade Média”, Terramar, 1995) a propósito da ciência árabe:

“A expressão [ciência árabe] pode ser considerada abusiva: uma grande parte dos homens que a praticaram não eram árabes. Mas falar de ciência islâmica tem uma pesada ambiguidade, a palavra dá à actividade científica uma conotação religiosa que ela não tem, os sábios são muçulmanos, mas também cristãos ou judeus. O traço comum que dá uma enorme unidade a estas actividades científicas é simples. A língua, principal factor de unidade, pode legitimamente servir para caracterizar a ciência dos países do Islão na Idade Média, ela é o veículo das ideias, dos conceitos, dos saberes (...) Os primeiros textos científicos em língua árabe são traduções: do grego, do siríaco, do sânscrito, do pélvi, que retomam, amplificando, a actividade dos centros helenistas e persas.”

A língua árabe foi, sem dúvida, ao longo de séculos uma língua de ciência e cultura científica. O capítulo de Benoit e Micheau intitula-se “O intermediário árabe?”, repare-se na interrogação. E a questão inicial é respondida no fim:

“Os Árabes foram muito mais do que simples intermediários. A sua ciência não deve ser considerada como um retransmissor, mas como um tempo na história de uma ciência euro-asiática”.