21 de abril de 1961: Os primeiros soldados partem para a guerra a bordo do Niassa
Neste dia, mais de 2.000 soldados rumavam a Luanda. Foram combater um
inimigo que não era o seu, por uma pátria que os transformou em carne para
canhão. Fotos de Fernando Mariano Cardeira.
Para Angola, rapidamente e em força, clamava
Salazar a 13 de abril de 1961, uma semana antes de partirem os primeiros
contingentes de tropas portuguesas: a 19 de abril, por via aérea e, a 21 de
abril, por via marítima.
Há exatamente 60 anos, mais de 2.000 soldados
embarcaram no Niassa, o primeiro paquete fretado para transporte de
militares e de material de guerra, por portaria de 4 de março de 1961. O Niassa zarpou
do cais de Santa Apolónia a 21 de janeiro, chegando a Luanda 10 dias mais
tarde, a 1 de maio, uma segunda-feira.
1961 e a anunciada queda do colonialismo português
Entre finais de 1960 e inícios de 1961, o mito
da pax imperial portuguesa é fortemente abalado. O impacto do
processo de independência do antigo Congo belga terá tido repercussões
consideráveis, sobretudo entre os bacongos do Norte de Angola, trazendo
expectativas de libertação e independência.
Baixa de Kasanje – a revolta camponesa de 1961
A revolta da Baixa de Cassange, uma região que, em
duas extensas zonas, se encosta ao Congo, tornar-se-ia, por sua vez, uma
espécie de ensaio geral para a guerra. Na Baixa de Cassange vigorava o regime
da cultura obrigatória do algodão. Os agricultores e as suas famílias tinham de
cultivar o algodão, em detrimento de culturas que assegurariam a sua
subsistência alimentar, e vender a sua produção à Cotonang. Esta companhia
estipulava preços miseráveis e ainda tinha poder para classificar como de 2ª o
algodão de 1ª. Na região grassava uma pobreza extrema e os camponeses eram
sujeitos a todo o tipo de violência e arbitrariedades. No final de 1960, os
camponeses começaram a parar a produção, a recusar pagar impostos e a
insurgirem-se contra a Cotonang e os colonos portugueses. A 4 de janeiro de
1961, negaram-se a voltar ao trabalho e queimaram as sementes distribuídas pela
companhia. A partir daí, deu-se o esmagamento militar da revolta. Entraram em
campo a 3ª e a 4ª Companhias de Caçadores e a Força Aérea. Várias sanzalas
foram totalmente dizimadas e muitos dos seus habitantes mortos.
O 4 de fevereiro de 1961 e a guerra colonial em Angola
por Diana Andringa
Entretanto, na madrugada de 4 de fevereiro, quando
a revolta do Cassange ainda não tinha sido contida, guerrilheiros africanos
atacaram, em Luanda, a casa de reclusão militar, a cadeia administrativa de São
Paulo e o Quartel da Companhia Móvel da Polícia de Segurança Pública. O
objetivo era libertar os presos políticos e arrecadar armamento. No dia
seguinte, no enterro de alguns soldados mortos, eclodem conflitos. A repressão
colonial é feroz. Perante as represálias, os guerrilheiros voltam a atacar a cadeia
de São Paulo e a Companhia Indígena a 11 de fevereiro.
15 de março de 1961: A UPA e a revolta no norte de Angola
Pouco mais de um mês depois, dá-se a sublevação do
15 de março, protagonizada pela UPA (União das Populações de Angola). Os
ataques foram fulminantes e a violência e ferocidade dos métodos utilizados
atrozes. Brancos, mestiços e alguns negros foram alvo da barbárie. Ao contrário
do que foi propalado, estes ataques não constituíram uma surpresa para as
forças portuguesas. Já tinham existido vários alertas da própria PIDE e das
autoridades administrativas no que respeita à iminência de um ataque. No entanto,
o Governo de Salazar nada fez. Ao terror negro, os colonos responderam com
terror branco, agravando o fosso racial de forma que se provou ser
irreversível. A vaga repressiva do regime salazarista vai atingir vários
religiosos e determinar a sua prisão, sob a acusação de incitar a revolta.
Entre eles, o cónego Manuel das Neves.
A nível interno, o ano de 1961 também trouxe alguns
revezes a António de Oliveira Salazar. O assalto ao paquete Santa Maria, a 22
de janeiro, conduzido por um alto dignitário do Estado Novo, Henrique Galvão,
expõe a vulnerabilidade do regime. A 13 de abril, o ditador português é
confrontado com uma tentativa de golpe de Estado por parte de homens como o
ministro da Defesa Nacional, general Júlio Botelho Moniz, o ministro do
Exército, coronel Almeida Fernandes, o subsecretário de Estado do Exército,
tenente-coronel Costa Gomes, e o Chefe do Estado-Maior-General (CEMGFA),
general Beleza Ferraz. Na noite desse mesmo dia, Salazar surge perante as
câmaras da televisão portuguesa para anunciar a remodelação governamental e
explicar porque assumia a pasta da Defesa: “se é precisa uma explicação para o
facto de assumir a pasta da Defesa Nacional [...] a explicação concretiza-se
numa palavra e essa é Angola [...] Andar rapidamente e em força é o objetivo
que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão [...] a fim de defender
Angola e com ela a integridade da Nação”. Uma semana depois, partem então os
primeiros contingentes de tropas portuguesas para Angola.
O ano de 1961 vai ficar ainda marcado por
acontecimentos como a publicação, em janeiro, do programa para a democratização
da República, pelo Oposição Democrática, em que se repudia qualquer
manifestação de imperialismo colonialista; o “salto” dos estudantes da Casa de
Estudantes do Império, que irão engrossar as fileiras dos Movimentos de
Libertação Nacional; e o desvio, a 10 de novembro, por parte de Palma Inácio e
Camilo Mortágua, do Super Constellation da TAP, do voo
Casablanca-Lisboa. Este foi o primeiro desvio de um avião comercial de que há
registo internacionalmente. A ação, que ficou conhecida como a “Operação Vagô”,
incluiu o lançamento de 100 mil panfletos sobre Lisboa, Barreiro, Setúbal, Beja
e Faro.
por Fernando Rosas
A nível internacional, a 15 de março, é aprovada uma moção do Conselho de Segurança da ONU a condenar a situação em Angola, votada pelos Estados Unidos e pela União Soviética, pela primeira vez; e a 4 de abril é aprovada uma moção a favor da autodeterminação de Angola pela Assembleia Geral da ONU. Neste mês é ainda instituído pela ONU um Subcomité dos Cinco, a fim de investigar a situação relacionada com os acontecimentos em Angola. A 1 de setembro tem início a I Conferência Plenária dos Países Não Alinhados em Belgrado, que apela à ajuda internacional do povo angolano, e a 27 de novembro é criado, no seio da ONU, o Comité da Descolonização. O final do ano também não trouxe boas novidades a Salazar, com a apresentação, a 19 de dezembro, da rendição das tropas portuguesas ao comando indiano. E Goa foi o princípio do fim.
Uma Guerra injusta, imoral, maldita
Em 1961, embarcaram 33 mil homens, os primeiros dos
800 mil enviados para os palcos da Guerra Colonial em Angola, Guiné e
Moçambique. Até à Revolução de 1974, mais de 90 por cento da carga e de 80 por
cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra foram transportados para as
ex-colónias por via marítima.
Os paquetes mais utilizados para o efeito foram
o Vera Cruz, que realizou o maior número de viagens, o Niassa,
o Lima, o Império e o Uíje. Em 1961,
nove paquetes em missão militar realizaram 19 viagens com destino aos palcos da
Guerra Colonial. O número de viagens aumentou para 27 em 1963 e para 33 em
1967. O Cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Alcântara, passou a ser local
privilegiado de escoamento de tropas e colonos.
Mas os soldados, na sua grande maioria, eram pouco
mais do que rapazes. Muitos apenas conheciam as aldeias onde tinham nascido e
os quartéis onde fizeram a recruta. E mal sabiam ler e escrever, ou nem isso.
Não tinham qualquer ideia do que os esperava em Angola. Os primeiros
contingentes foram aclamados como heróis à chegada a Luanda, mas estavam mal
preparados, não estavam devidamente equipados e nem sequer sabiam bem o que
estavam ali a fazer. Médicos militares no terreno alertavam para o alarmante estado
de subnutrição e desidratação dos soldados e a inexistência de cuidados de
saúde adequados.
Os militares portugueses enviados para os palcos da Guerra Colonial em Angola, Guiné e Moçambique ocuparam, pilharam, queimaram aldeias, torturaram, mataram. São vários os relatos de agressões sexuais contra as mulheres africanas e, inclusive, de violações em grupo. O relato do massacre de Wiryamu, Chawola e Juwau (1972), no distrito de Tete, em Moçambique, levado a cabo por tropas coloniais portuguesas e pela PIDE-DGS, dá-nos conta das atrocidades, dos crimes hediondos cometidos durante a Guerra Colonial, com o extermínio de comunidades inteiras – incluindo crianças, mulheres, idosos – com requintes de uma perversidade sem limites.
Os soldados portugueses, por sua vez, serviram como
verdadeira “carne para canhão”.
Estilhaços de uma guerra maldita
Os soldados que voltaram trouxeram as memórias de
matar, ver morrer, de morrer aos poucos. Os estropiados foram rapidamente
escondidos pelo regime fascista, que não queria ver divulgados os horrores da
guerra. Uns, atirados para o Depósito de Indisponíveis, na Graça, em Lisboa.
Outros, reencaminhados para as suas aldeias, esquecidos, sem qualquer
possibilidade de recuperarem as suas anteriores ocupações.
Às mulheres portuguesas foi atribuído o papel de
apoiar o esforço de guerra: parir guerreiros para a defesa do “Império” e
apoiá-los, bem como aos maridos, irmãos e todos os homens enviados para as
ex-colónias; apoiar na assistência aos feridos e desprotegidos; trabalhar nas
fábricas de munições. Foi-lhes imposto um sofrimento silencioso, porque ir para
a guerra só podia ser motivo de orgulho. E herdaram o stress pós-traumático
daqueles que de lá vieram.
Lá, as mulheres africanas guardam as cicatrizes das
agressões sexuais e cuidam dos filhos deixados pelos soldados portugueses,
nunca reconhecidos pelos pais e pelo Estado Português.
As feridas abertas da Guerra Colonial
por Mariana Carneiro
A Guerra Colonial durou mais do dobro da Segunda
Guerra Mundial e fez milhares de mortos portugueses e africanos. Este conflito
representou, em termos humanos, um esforço cinco vezes superior ao que os EUA
mobilizaram para o Vietname. Apenas entre o contingente português,
contabilizaram-se 8.831 mortos, 30 mil feridos, 4.500 mutilados, 14 mil
deficientes físicos. Mais de 100 mil diagnosticados com perturbação de stress
pós-traumático.
A devastação causada pelo colonialismo português
nos territórios das ex-colónias tem ainda repercussões profundas, ao ter
comprometido abruptamente o desenvolvimento económico, social, cultural das
suas sociedades, espoliado os seus bens e os seus recursos, escravizado,
violentado e tentado aniquilar a identidade e a cultura dos seus povos.
FONTES:
AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos Gomes.
Guerra Colonial. Edição: Editorial Notícias, abril de 2000
CARDINA, Miguel; MARTINS, Bruno Sena. As Voltas do
Passado - A Guerra Colonial e as Lutas de Libertação. Editor: Tinta da China,
junho de 2018
DHADA, Mustafah. O Massacre Português de Wiriamu -
Moçambique, 1972. Edição: Tinta da China, outubro de 2016.
GOMES, Catarina. Furriel não é Nome de Pai. Lisboa:
Tinta da China, Edição:05-2018.
MATEUS, Dalila Cabrita. Angola 61
- Guerra Colonial: Causas e Consequências. Edição: Texto Editores,
janeiro de 2011.
RIBEIRO, Margarida Calafate. África no
Feminino: as Mulheres Portuguesas e a Guerra Colonial. Porto: Afrontamento,
2007.
ROSAS, Fernando. História a História – África.
Edição: Tinta da China, março de 2018 ‧ ISBN: 9789896714215
Arquivo Digital do Centro de Documentação 25 de
Abril da Universidade de Coimbra
Baixa de Kasanje – a revolta camponesa de 1961,
artigo de Aida Freudenthal, publicado no Esquerda.net
15 de março de 1961: A UPA e a revolta no norte de Angola,
artigo de Maria da Conceição Neto, publicado no Esquerda.net
O 4 de fevereiro de 1961 e a guerra colonial em Angola,
artigo de Diana Andringa, publicado no Esquerda.net
Goa, ou o princípio do fim, artigo de Fernando
Rosas, publicado no Esquerda.net
Wiriamu: O massacre esquecido, artigo de Carmo
Vicente, publicado no Esquerda.net
Estilhaços de uma guerra maldita, artigo de
Mariana Carneiro, publicado no Esquerda.net
As feridas abertas da Guerra Colonial, artigo
de Mariana Carneiro, publicado no Esquerda.net
Artigo partilhado na íntegra e disponível em https://www.esquerda.net/artigo/21-de-abril-de-1961-os-primeiros-soldados-partem-para-guerra-bordo-do-niassa/73984
Sem comentários:
Enviar um comentário