Um dos muitos excelentes textos que o excelente e saudoso CAMINHOS DA MEMÓRIA publicou!
Na edição do dia 9 de Março dos Caminhos da Memória, publiquei uma memória sobre a proibição do I Encontro Nacional de Estudantes e agora que – em 24 de Março – passam quarenta e oito anos sobre a proibição do Dia do Estudante, (1) recordo aqui o conjunto dos acontecimentos que tiveram lugar na Academia de Coimbra, no âmbito da Associação Académica, e que integram o que se convencionou chamar – a Crise Académica de 62.
Outro artigo muito interessante:
Um texto de José Augusto Rocha (*)
Na edição do dia 9 de Março dos Caminhos da Memória, publiquei uma memória sobre a proibição do I Encontro Nacional de Estudantes e agora que – em 24 de Março – passam quarenta e oito anos sobre a proibição do Dia do Estudante, (1) recordo aqui o conjunto dos acontecimentos que tiveram lugar na Academia de Coimbra, no âmbito da Associação Académica, e que integram o que se convencionou chamar – a Crise Académica de 62.
Trata-se de um texto cronológico dessa “crise” – que só é definível e interpretável, conhecendo todos os acontecimentos – elaborado por mim, José Luís Nunes e José Monteiro, com a colaboração de Judite Cortesão e Irene Namorado e que veio a ser publicado no número de Março de 1968, do jornal “O Badalo”, do “Conselho de Repúblicas”, acompanhado de uma entrevista que nessa altura lhe dei.
É uma reconstituição dos acontecimentos dessa época, com base exclusiva na memória dos seus autores – todos eles influentes actores na crise – e que tinha o objectivo de não deixar perder a memória do que se passou, para mais tarde ficar disponível a eventuais estudiosos. Eis o texto do documento, intitulado “Sumário da Crise,” tal qual foi – à data – manuscrito.
Sumário da Crise
Sumário da Crise
Capítulo I
Outubro 61
Latada de Letras:
- Crítica a certos aspectos da vida política do país na “Latada de Letras”; (2)
- Prisão de um estudante implicado na organização da “latada”;
- Um estudante de Faculdade de Letras, em face da sua eminente prisão, pede asilo à Universidade, na pessoa do seu vice – reitor, Prof. Lobato Guimarães;
- O Vice-reitor, em conversa telefónica, obtém do Inspector de PIDE o compromisso de que o estudante não será preso nas três semanas seguintes;
- A Assembleia Magna considera reféns o estudante já detido e a Direcção da A.A.C. pede à PIDE a sua libertação;
Via Latina:
- Pela primeira vez o Professor Braga da Cruz manifesta o seu desagrado pela orientação do jornal “Via Latina”.
Capítulo II
Novembro 61
Tomada da Bastilha:
- Comemoração à escala nacional da Tomada da Bastilha;
- Decretus abolindo a praxe que é considerado político pelas autoridades;
- Prisão do Dux Veteranorum e mais quinze estudantes membros do Conselho de Veteranos signatários do decreto; (3)
- Intervenção da Direcção Associação da A.A.C. junto da PIDE e do Ministro do Interior, Santos Júnior;
- O Ministro do Interior anuncia uma política de dureza para com os estudantes;
Novembro 61
Entrevista da Direcção da A.A.C. com o Reitor:
- O reitor manifesta preocupação e discordância da orientação da Via Latina:
- Classifica a Assembleia Magna de Tribunal do Povo;
- Preconiza a retoma do processo eleitoral com a substituição do sufrágio directo pelo sufrágio orgânico ou corporativo;
- Aconselha o rompimento da colaboração ao nível nacional da AAC com as outras Associações do País;
Capítulo IV
Janeiro de 62
Decreto 40.900
- Comemoração das jornadas estudantis contra o Decreto 40.900;
- O Reitor recusa assistir ao colóquio na sede da AAC e aconselha mais uma vez a dessolidarização da A.A.C. com o movimento nacional associativo;
Capitulo V
Fevereiro 62
Reunião em Lisboa a nível nacional
- Cria-se o Secretariado Nacional Provisório dos Estudantes Portugueses;
- Marcação para Coimbra do I Encontro Nacional de Estudantes;
Capítulo VI
Março 62
9 a 11 de Março
I Encontro Nacional de Estudantes
- Despacho do Ministro da Educação Nacional proibindo a realização do I Encontro Nacional de Estudantes;
- Reunião da Assembleia Magna que apoia a realização do mesmo, o que se veio a verificar após entrevista da Direcção da A.A.C. com o Ministro da Educação Nacional;
- Publicação do Livro branco do I Encontro Nacional de Estudantes, pela AAC, com a colaboração das outras A.E.s. do País;
Agenda do Encontro
Realização de Mesas Redondas de:
· Saúde
· Cooperativas
· Transportes
· Bolsas de Estudo Pedagógicas
· Regulamentação das Actividades Circum-Escolares
· Alimentação
· Habitação
· Convívio
· Intercâmbio
Capítulo VII
13 de Março
Agravamento das Relações Estudantes/Autoridades
- O Ministro da EN. Recusa receber a Direcção da A.A.C.;
- Corte do subsídio do MEN à A.A.C.;
- A Assembleia Magna delibera realizar uma manifestação no dia da inauguração da Biblioteca;
Manifestação em frente da Biblioteca
- Perante as autoridades religiosas, militares, e civis, entre elas o Ministro da Educação Nacional, centenas de estudantes manifestam-se contra as medidas hostis do governo contra os estudantes;
- Da manifestação sai a pretendida entrevista com o M.E.;
- O Ministro compromete-se a satisfazer as reivindicações dos estudantes;
Capítulo VIII
24 de Março
Dia do Estudante
- Centenas de estudantes que pretendiam dirigir-se a Lisboa, para o Dia do Estudante, são impedidos de o fazer de autocarro;
- A polícia de choque intercepta na amadora o comboio que transporta a Lisboa o Coral de Letras e de danças regionais;
- Reunião da Assembleia Magna que decreta luto e ausência às aulas;
- A Assembleia decide uma manifestação em freta da reitoria em protesto contra a proibição do Dia do Estudante;
- Informado das prisões dos estudantes que se dirigiam a Lisboa, o reitor comente: “ Estão presos? Lá terão uma cela e uma cama para dormir”;
Capítulo IX
25 de Março
Manifestação defronte à Reitoria
- Muitas centenas de estudantes manifestam-se em frete à reitoria contra as atitudes do Prof. Braga da Cruz;
- Contra manifestação de apoio ao Reitor; (4)
- Luta aberta no pátio da Universidade;
- O reitor abandona a Universidade com a multidão de estudantes pedindo em coro a sua demissão.
Capítulo X
Abril
Novas Instalações da A.A.C.
- Divergências entre o Reitor e a Direcção da AAC a propósito da realização do “Ciclo de Sinfonia” nas instalações do Teatro Gil Vicente;
- A Direcção da AAC reivindica o teatro Gil Vicente em termos de auto-gestão e prévia entrega;
- Apoio da Assembleia Magna às posições da Direcção da A.A.C;
- A Assembleia Magna delibera proibir a entrada se estudantes nas novas instalações académicas sem estar definido o estatuto da sua utilização;
- Concentração de estudantes frente à reitoria de apoio à atitude da Direcção;
- O reitor recusa-se a falar com o que denomina “claques de futeball”.
Capitulo XI
Abril
A Assembleia Magna retira a confiança ao Reitor
- Apoio da Assembleia Magna às posições da Direcção, que pede que se retire a confiança ao reitor;
- Em ambiente de grande emoção a Assembleia Magna pede a demissão do cargo de Reitor do Professor Braga da Cruz;
Capítulo XII
Demissão da Direcção da A.A.C.
- Na antevéspera da eleição para os novos corpos gerentes da A.A.C. a Direcção é demitida por portaria ministerial e nomeada uma comissão administrativa presidida por José Pedro Belo Soares, estudante de medicina;
- É instaurado um processo disciplinar à Direcção da A.A.C. pelo Senado da Universitário da Universidade de Coimbra, tendo como fundamento o pedido de retirada de confiança ao Reitor feito pela Direcção da A.A.C. na Assembleia Magna e pelo não acatamento da ordem de proibição do I Encontro Nacional de Estudantes;
- É nomeado inquiridor do processo o Senhor Dr. Henrique Mesquita, assistente da Faculdade de Direito;
- Simultaneamente, é mandado instaurar processo – crime por desobediência, nos tribunais comuns;
- É mandado ainda instaurar um processo disciplinar a todos os estudantes que na Assembleia Magna subscreveram a proposta de demissão do Reitor;
- A academia reage e constitui-se em assembleia Magna de estudantes, que força o Presidente da Comissão Administrativa, nomeada pelo governo, a não aceitar o cargo;
- A assembleia Magna de estudantes reafirma a sua total confiança nos membros da Direcção demitida e elege-os seus dirigentes;
Capítulo XIII
Maio
Queima das Fitas
- Como sinal de protesto para com as medidas repressivas do governo a “Assembleia dos Grelados” (5) delibera a não realização da Queima das Fitas, facto sem precedentes na história da academia;
- Em comunicado dirigido à cidade de Coimbra, a Direcção demitida explica as razões da não realização da Queima das Fitas e apela à solidariedade do povo da cidade para com os estudantes;
- O Ministério da Educação Nacional, em comunicado publicado na Imprensa, demite-se de qualquer responsabilidade na não realização da Q.F. que, acentua, se deve a uma decisão livre dos estudantes;
Capítulo XIV
Manifestação de Estudantes
- Em Assembleia Magna de estudantes a academia decide, por proposta do Conselho de Repúblicas, (6) uma manifestação ao Governo Civil, para inquirir das razões às medidas repressivas;
- Cerca de 4.000 estudantes realizam uma das maiores manifestações de que há memória no seio da academia e avançam até á Praça da República, onde são aguardados pela polícia de choque de metralhadoras em punho;
- Desenvolvem-se negociações, impondo a academia como condição uma entrevista com o Governador Civil, que veio a verificar-se;
Capítulo XV
Ocupação pelos estudantes da sede da A.A.C.
- A Assembleia Magna de estudantes decide manter-se em reunião permanente e aprova a ocupação dia e noite das instalações da A.A.C., na previsão de um eventual assalto da Polícia;
- A Direcção é demitida e convocada a comparecer na polícia, onde lhe é lido um ultimato para aí mesmo fazer a entrega das chaves da A.A.C., sob pena de prisão imediata;
- Conseguindo um compromisso, a Direcção dirige-se à sede ocupada, expõe os termos do ultimato à Academia;
- A Assembleia Magna de Estudantes decide-se pela radicalização do conflito, entrincheirando-se disposta a defender as instalações.
A polícia cerca as Instalações da A.A.C.
- Brigadas da polícia de choque cercam as instalações da academia entrincheirada;
- É dado o alerta na universidade e as aulas são suspensas;
- As restantes massas estudantis confluem para o pátio da universidade, onde criam uma segunda linha de resistência, tomam de assalto a Torre da Universidade e fazem ouvir na cidade de Coimbra o rebate dos sinos;
- O Reitor apela para a polícia de choque, que invade as instalações universitárias, facto sem precedentes na vida da Universidade. Materializava-se a violação da autonomia da Universidade. (7)
- Perante a indignação da academia o Reitor dirige-se às instalações cercadas, onde pretende falar com os representantes dos estudantes cercados;
- Os estudantes recusam-se a receber o Reitor Braga da Cruz, aceitando contudo uma negociação com uma comissão de professores;
- Encetam-se, in loco, negociações mediante a prévia exigência da retirada da polícia;
- Acorda-se na saída da academia amotinada, na entrega das chaves aos professores e na abertura de negociações, com as mesmas a realizar posteriormente;
- Põe-se como condição “ sine qua non” a reunião livre da academia no Campo de Santa Cruz, condição que foi deferida pelo reitor, mediante telefonema prévio ao Ministro do Interior;
Capítulo XVI
Maio
Plenários
- Iniciam-se os plenários de Santa Cruz, onde é hasteada a bandeira da A.A.C.;
- Enquanto decorrem negociações, é nomeada uma Comissão Administrativa para a secção de futeball, presidida por um militar, tenente – coronel Delgado Silva, sendo este facto considerado uma provocação governamental sabotadora do espírito das negociações;
- Nesta emergência, os estudantes reunidos em plenário rejeitam a proposta dos professores; (8);
- A rejeição leva os estudantes à retomada das instalações da A.A.C.;
- A polícia de choque cerca de novo os estudantes entrincheirados, assalta as instalações, prende os sitiados, quarenta e quatro dos quais são presos, entregues à PIDE, e enviados para o Reduto do Forte de Caxias; (9)
2 de Julho
A Repressão
Na vertigem do processo repressivo, contra a academia, às prisões junta-se a expulsão da Direcção da A.A.C. de todas as escolas nacionais, por dois anos. São expulsos mais quarenta estudantes. Posteriormente, em contraste significativo com o veredicto de Senado Universitário, a Direcção da A.A.C. é absolvida na 1ª e 2 ª instâncias, no processo-crime que lhe fora instaurado aquando da proibição do I Encontro Nacional de Estudantes; (10)
Aqui termina a transcrição desta memória dos acontecimentos, que é feita de episódios que comportam muitos sacrifícios e sofrimento, mas também muita coragem e determinação na luta contra a repressão do Estado Novo, na recusa a qualquer compromisso com as autoridades governamentais, inclusive a promessa de perdão sugerida, mais tarde, pelo Prof. Braga da Cruz. Aqui e neste lugar nunca foi cedo para resistir.
Seja-me permitido, à republicação desta memória – tantos anos depois – atribuir o significado de uma homenagem singela a quantos souberam engrandecer o nobre património das lutas estudantis pela liberdade e autonomia da Universidade, contra a força da repressão fascista e pela plena assunção, em tempos tão difíceis, da condição de cidadãos do povo do seu país.
Quero ainda manifestar a inquieta saudade pelos meus grandes amigos e companheiros de jornada, José Luís Nunes e José Monteiro, coautores desta memória, tão novos ceifados pela morte.
(1) O Dia de Estudante é comemorado em Lisboa, a 24 de Março e, em Coimbra, a 25 de Novembro, aqui tendo o nome de “ Tomada da Bastilha”, alusão ao facto da ocupação pelos estudantes do “Clube dos Lentes” e da afectação das suas instalações à sede da A.A.C.
(2) As “Latadas” eram cortejos que cada Faculdade fazia de imposição de insígnias, no princípio do ano. Constituíam um desfile a pé, da Alta para a Baixa, e nelas se integravam os “grelados” (quartanistas) e os “fitados” (quintanistas), ostentando os “caloiros” (primeiranistas), com latas atadas às pernas, cartazes humorísticos, com críticas a vida académica, social e política. Com o decurso dos anos, esses desfiles tornaram-se geralmente hostis ao regime.
(3) Nos termos do Código da Praxe Académica de Coimbra, de 1957, “constitui Praxe Académica o conjunto de usos e costumes tradicionalmente existentes entre os estudantes da cidade de Coimbra e os que forem decretados pelo Conselho de Veteranos,” competindo a este Conselho a tomada de decisões relacionadas com a praxe, servir de tribunal de apelação e legislar nos casos omissos, emitindo decretos sobre matéria da sua competência. No caso concreto, o decreto que originou a prisão, no seu preâmbulo e a propósito de uma visita de Américo Tomás ao Museu do Prado, cometia a irreverência de o colocar a “pastar” no prado!!!
(4) A direita conservadora dos estudantes, tudo fez para implicar a Direcção da Ã.A.C. no crime de tumulto e, no caso, editou um panfleto intitulado “Ao País”, onde fazia a avaliação dos acontecimentos e identificava o “colega Rocha da Direcção Geral instigador das acções de desrespeito para com o Reitor Braga da Cruz.”
(5) Os “Grelados” eram os “quatroanistas”, a quem incumbia organizar a “Queima das Fitas” e que se reuniram em assembleia para votar a sua eventual não realização.
(6) As “Repúblicas” eram as casas de estudantes, regidas segundo regras próprias e dirigidas por um Presidente, que tinha uma designação própria, a título de exemplo: o Kágado – Mor, o Califa – Mor, o Louco – Mor, o “Paxá – Mor, o Rá -Mor, conforme o nome das repúblicas . O “Conselho das Repúblicas” era uma figura da praxe, que integrava todas as repúblicas.
(7) Símbolo da sua autonomia, a Universidade tinha nos “Archeiros” a sua polícia própria e era impensável que a polícia pudesse invadir as instalações universitárias.
(8) As estudantes presas ficaram em Coimbra, na sede da PIDE, entre elas Margarida Lucas, Judite Cortesão e Irene Namorado.
(9) A Comissão de Professores integrava figuras universitárias conhecidas e era constituída por Paulo Quintela, Ferrer Correia, Eduardo Correia, Afonso Queiró, José Barros Neves e Anselmo de Castro.
(10) Cumpre assinalar que o julgamento no Tribunal Criminal de Coimbra foi presidido por um juiz democrata, Joaquim Pinto da Rocha, que se comportou, no caso, com grande dignidade e independência. Fica aqui também uma nota para evocar o nome de Guilherme Palma Carlos, que foi advogado no recurso nº 6. 435, da 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo, interposto pela Direcção da A.A.C., expulsa de todas as Escolas Nacionais, por dois anos.
Outro artigo muito interessante:
1. (…) o Dia do Estudante de 1962. É um facto indesmentível que esse Dia do Estudante é sequência de uma luta organizada e de anos de trabalho conjunto dos universitários portugueses e das suas associações de estudantes na procura da adopção de um modelo de organização da Universidade, diverso do ditado pelas autoridades da ditadura.
No período posterior à publicação do dec-lei 40.900 (decreto de 12 de Dezembro de 1956, que "tentava" actualizar a legislação circum-escolar de 1932), lutou-se claramente contra tal diploma que consignava um conjunto de atentados a elementares princípios de tradição associativa: aboliam-se as assembleias gerais, exigia-se a autorização do director de escola para quaisquer realizações, determinava-se a presença de uma delegação permanente do director da escola junto de cada associação. Essa luta assumiu formas não previstas pelas autoridades: foram estabelecidos contactos com Ordens e Sindicatos, com os Conselhos Escolares das diversas escolas, com a Imprensa, distribuindo-se o texto do diploma e promovendo-se a sua discussão em assembleias gerais. Na chamada Assembleia Nacional a presença dos estudantes quando da discussão do decreto e as manifestações públicas, em Lisboa e Coimbra, exemplificam bem o clima vivido e os problemas que trouxe às autoridades de então.
O próprio 40.900, e a luta a que conduziu as associações e o conjunto dos estudantes, originou um passo decisivo para "a real identificação do pensamento de todos os dirigentes associativos de Lisboa, fortalecendo substancialmente as estruturas de cúpula e foi o primeiro passo importante para a unidade da base estudantil de toda a Universidade"(1).
De 1958 a 1960 sublinhe-se uma actividade organizativa, na continuidade ao processo criado pelo 40.900. A luta consciencializara camadas mais latas de estudantes. Lembre-se aliás, o que não foi publicamente invocado em alguns Seminários de Estudos Associativos dos anos 60, mas que estava, como é evidente, na mente de todos: a campanha de massas de 1958 quando da "eleição" presidencial. "A Universidade e o momento político actual" é o nome dum texto da responsabilidade da Comissão Cívica Eleitoral dos Estudantes Universitários publicado nessa altura: nele se salientava, com dados e números em apoio, que "o fim cultural da Universidade não se realiza actualmente", que "os órgãos universitários são ineficientes", que "a universidade é tecnicamente ineficaz" alheando-se "da integração na Nação": que "o acesso à Universidade não é livre, por os estudantes serem apenas representantes de uma pequena parte das forças vivas da Nação". Sublinha-se, então, que não "existe extensão universitária", por os "interesses militares se sobreporem aos da formação universitária" e por ser mínimo o orçamento da Educação (8,8% do total do OGE em 1957 e 8.4% em 1958).
Este texto que tem muitos outros aspectos reveladores e ricos(2) assume, como é evidente, a dimensão claramente política que, entretanto, os textos subscritos pelas A.E. não podiam ter, embora expressassem também um conteúdo claramente assumido contra a política educativa e universitária da ditadura. Aliás, em 1958, no V Dia do Estudante (19 de Março de 1958), entre outras manifestações, destacou-se a do plenário para discussão dos temas relativos às organizações circum-escolares universitárias.
Foram presentes 6 teses sob o tema geral "Para um melhor enquadramento das organizações de estudantes".
Sublinhe-se, ainda, que em 1960 o Dia do Estudante é repartido por três dias de trabalho e comemoração, mostrando já uma nova movimentação do trabalho na área da Universidade: a eleição de uma "diferente" Direcção-Geral da A.A.C. em Coimbra e o sinal de um movimento cada vez mais generalizado aos estudantes portugueses.
2. Em 1961 já o Dia do Estudante é composto por 4 dias (16 a 19 de Março). Há colóquios, festival desportivo, sarau cultural, jantar (no ginásio da associação do Técnico), há uma participação crescente de todas as academias e de um número maciço de estudantes. Como se sublinha na tese já citada(3), tal movimentação é resultante, também, de um conjunto de iniciativas: da "tomada da Bastilha" (25 de Novembro em Coimbra, com delegados de Lisboa e Porto) à reunião nacional de Organismos Associativos Estudantis Portugueses (16 e 17 de Dezembro de 1961) e à realização do 1.º Encontro Nacional de Imprensa Universitária (11 e 12 de Março de 1961).
Tudo isto tem lugar num clima político de grande tensão. A guerra colonial eclodira em Angola (4 de Fevereiro). Em Abril de 61 teve lugar, aliás, uma tentativa de golpe de Estado. Movimentos populares tinham variadas expressões. A "campanha" de Outubro de 61 é, mais uma vez, momento de luta contra o regime e denúncia alargada do que o caracteriza.
3. Conhecem-se as razões imediatas da "crise" estudantil de 1962. Acentuara-se, desde o início de 62, uma situação de luta nas Escolas: os estudantes não aceitam cooperar nas comemorações dos cinquenta anos da Universidade Clássica pelas restrições feitas à participação estudantil, manifestando-se perante o então chamado Presidente da República. A Cantina Universitária de Lisboa que fora entregue a particulares (sendo a sua administração ridicularizada, visando-se os administradores e as autoridades académicas), acaba por ser gerida por uma comissão mista de estudantes e professores.
A 24.3.62, data do Dia do Estudante, a Cidade Universitária, ao Campo Grande, em Lisboa, apareceu bloqueada pela Policia. O ministro da Educação fora avisado (desde meses antes) da realização do "Dia do Estudante". Esse bloqueamento e as provocações que se lhe seguem estão na razão directa da concentração de milhares de estudantes e do luto académico que vai acontecer nos meses seguintes. Quem viveu esses momentos e a sequência dos acontecimentos, recorda-se, sem dificuldade, do trajecto de muitos estudantes para o restaurante do Lumiar onde se iriam discutir os problemas e as agressões de que foram vítimas.
As adesões, dos primeiros momentos, de Conselhos Escolares, a demissão do Reitor da Universidade Clássica - em conflito com a orientação do ministro do Interior e em busca de certa imagem de "liberdade" que lhe terá servido em 68-69 para a chamada "primavera marcelista" - o próprio recuo - aparente - do Governo, são bem significativas da amplitude e da força do movimento estudantil. As Assembleias Plenárias tinham - em regularidade e em convocação sumária - milhares de presenças, a decisão democrática impôs-se como metodológica de acção e a criação, na luta de muitos quadros, era elemento fundamental que decorria da acção dos estudantes que se colocavam, assim, "numa das primeiras filas do movimento antifascista"(4). Refiram-se os movimentos de Maio de 62 contra as 1500 prisões em Lisboa e Coimbra e ligue-se isto às lutas de operários agrícolas e industriais, designadamente aquelas que, embora vindas de longe, tiveram uma importante expressão de massas, exactamente em Maio de 62: a luta pelas 8 horas e, em vários locais, pelos 40$00 de jorna. Refiram-se as prisões de dirigentes e as expulsões e ligue-se isto à política descarada de mentira que as autoridades fascistas prosseguiam na comunicação social e à política de repressão que prosseguiam em Portugal e em Angola, designadamente.
Não se pode deixar de concluir daqui que houve uma direcção de luta estudantil que não só coexistiu com a luta geral contra o fascismo e o colonialismo, como se inseriu nela e lhe deu a força da sua expressão própria: para mais salienta-se (e reitera-se) que a ligação entre dirigentes e estudantes assumiu formas de auscultação muito capazes, dando uma expressão de reforço democrático ao movimento estudantil. A condução da luta, nas circunstâncias difíceis que se conheceram então, teve em conta amplas camadas estudantis e a sua disposição à defesa dos interesses globais dos estudantes portugueses, procurando-se também o apoio da grande maioria do corpo docente - mas denunciando-se, sem hesitações, os docentes que hostilizavam e caluniavam os estudantes - e da população - tanto em Coimbra (visível no apoio do comércio de Coimbra) como em Lisboa (a nível de petições e comunicados de intelectuais, médicos, etc.).
A análise demorada - e devidamente documentada - da crise de 1962 continua a fazer-se. Os documentos da época e os depoimentos necessários são ainda um ponto de reflexão para fazer uma aproximação mais sistematizada ao assunto, de tantos reflexos, na sequência do processo político português.
4. Lembro-me que, numa das RIAS de 64-65 - em conversa de corredor -, se lembrava o facto de a greve da Universidade de Coimbra de 1907 ter procedido, em 3 anos, a queda da monarquia e o advento do regime republicano... Não partíamos daí - naturalmente - para o esquematismo primário de que as coisas aconteceriam em determinado momento: mas não duvido que a crise de 62 e os seus prolongamentos até 65 - e, posteriormente, os movimentos de 69-72 até à queda do fascismo - contribuíram largamente para a compreensão - por parte de muitos e muitas - de que lado estavam em relação ao problema político. Os movimentos estudantis - assumindo uma importante expressão de massas, criando e estruturando uma consciência antifascista que muitos assumiram, forjando quadros e técnicos que, para além da dimensão profissional e científica, ganharam no ano do seu percurso pelas Universidades, uma largueza de horizontes que a ditadura, que se abatera sobre o País, não queria, manifestamente, que existisse - foram importantíssima escola de formação de quadros que ajudaram ao amplíssimo movimento de resistência que fez eclodir variados tipos de lutas, com o consequente alargamento da consciência a novas camadas e grupos sociais.
5. Os anos seguintes, com vitórias e inêxitos, continuam 1962.
O Decreto-Lei 44632 (de 15 Outubro de 1962) vem estabelecer um novo regime das actividades circum-escolares procurando ainda, aparentemente, ter em conta a situação das organizações circum-escolares cujos "corpos gerentes foram privados de funções em consequência de despacho ministerial de 13 de Abril de 1962". A luta contra tal decreto-lei esteve na primeira linha da preocupação dos estudantes de 63, 64, 65. Numa carta aberta, colectivamente assinada por presidentes das Associações e Pró-Associações da Universidade de Lisboa nos inícios de 1965, situava-se bem o problema, face ao destinatário da carta, o então ministro da Educação Nacional, Galvão Teles. Dizia-se nessa carta - e referindo-se a um discurso desse ministro de finais de 1964 - que as tentativas de recuperar a Mocidade Portuguesa eram vãs. Aliás, sublinhava-se também que "vários são os agrupamentos de minorias activistas que a Universidade tem conhecido, extinguindo-se todos eles em curto prazo de tempo, não por falta de encorajamento do exterior, mas por falta de audição no interior. Assim é que, por cá, têm desfilado o Movimento Jovem Portugal, o Movimento dos Estudantes Universitários de Portugal (conhecido por Meu Portugal), a Acção Académica e a Frente dos Estudantes Nacionalistas - os quais são apenas sucessivas e precárias tentativas de salvar as ideias do desprestigio das organizações. A sua eficácia é diminuta e a sua vida é efémera - mas a da Mocidade Portuguesa nem isso: na Universidade, a MP não tem vida, é uma mera tabuleta".
Ligado directamente ao problema da legislação situa-se o problema da legalização das Pró-Associações. Mas para além destes problemas claramente estudantis abordam-se nesses anos - continuam a ser abordados - problemas como os das estruturas institucionais nas Universidades: é assim que, na carta aberta já referida, são apresentados, como pontos 1 e 2 de pontos a resolver, o "da eleição dos reitores e directores pelos órgãos universitários representativos" e o da "representação dos estudantes nos Conselhos Escolares e Senado Universitário"(5).
A repressão, entretanto, alargara-se e dezenas de estudantes foram presos. As reacções foram vigorosas - designadamente as do início de 1965, que respondem à actuação policial - tendo, entretanto, menor capacidade de mobilização de massas. O recrutamento para as Forças Armadas era uma das armas utilizadas para desviar quadros associativos; a intimidação e a hostilidade, de professores para com estudantes com cargos associativos - mesmo quando excelentes alunos - eram outras armas de tentativa de desmobilização e descrença.
6. Relendo, hoje, 40 anos depois, boletins, jornais (6), comunicados das associações, é inegável a importância de tudo quanto se fez nesses anos difíceis. O fascismo sofreu aí variados percalços, que tiveram variadíssimos ecos e um dos que não foi menor foi aquele que atingiu as Forças Armadas e que veio a permitir o 25 de Abril de 1974. Na efeméride do 24 de Março de 1962 entende-se bastante do que foi e é a história do Pais, antes e depois da viragem histórica de 1974 - 1975.
1. Um dos melhores trabalhos sobre "elementos históricos" da vida das "associações de Estudantes" é uma comunicação de Albano Freire Nunes e Eurico de Figueiredo, presente ao II Seminário de Estudos Associativos, realizado em Lisboa, em Setembro de 1964. Retiramos alguns dados desse trabalho.
2. "A Universidade portuguesa não é livre, não é moderna, não é autónoma. Nela reina o monolitismo doutrinário, a ausência de livre discussão, o favoritismo, o exemplo do êxito fácil, o incitamento constante à irresponsabilidade e à falta de um esforço cultural autónomo" - pág. 1 do documento da Comissão Cívica Eleitoral, referida no texto.
4. Julgamos de chamar a atenção para: o "Avante!" n.º 315, de Abril de 62, que titula na 1.ª página "25000 estudantes em greve! Milhares de jovens gritam por liberdade, autonomia e contra a repressão"; para o texto do Dr. Álvaro Cunhal em "Rumo à Vitória", em que sublinha que pela sua amplitude, pelo seu rigor, "pela direcção hábil e corajosa, as grandes lutas de 1962, colocam os estudantes portugueses numa das primeiras filas do movimento antifascista", "o que tem dado força aos estudantes, o que os tem educado politicamente o que lhes tem permitido resistir vitoriosamente à repressão fascista, é a sua unidade, o carácter da massas do movimento e o seu apoio em organizações legais que conseguem defender de todas as tentativas de liquidação"; e para o texto, do Dr. Mário Soares, em "Portugal Amordaçado" que faz referência ao tema, sublinhando que 1961 foi o ano da "grande viragem" por factores internos e externos e sublinhando que Marcelo Caetano "tirou um grande partido do seu gesto de demissão de Reitor", começando a "talhar uma reputação de liberal, muito afastada, aliás, da imagem que dava de si próprio, como professor e homem público, antes da crise de 1962". Também o Dr. Jorge Sampaio, Secretário-Geral das Reuniões Inter-Associações em 1962, fez uma importante intervenção nos anos 80 sobre a crise de 1962 salientando que "foi possível, durante meses a fio, através de grande relacionação com a massa estudantil, com os plenários em frente da Reitoria a funcionar diariamente, viver um clima de unidade entre variadissimas correntes de opinião".
5. Em texto que "aproveitava as expressões aparentemente dialogantes do ministro de Salazar, as AE sublinhavam que propunham a constituição de órgãos representativos mistos, I.é., com professores e estudantes, onde os interesses da Universidade serão autenticamente zelados". E concluíam, "Para V. Ex.a.. Isto é, decerto, institucionalismo. Pois bem, é isso que propomos". Tal carta aberta levou os signatários ao processo disciplinar, conjuntamente com outros factos também indicados como subversivos.
6. Entre muitos outros, permitiamo-nos sublinhar um texto sempre indispensável, o do famoso artigo "Autópsia do Ensino", feito por Almeida Faria, Almeida Fernandes e Nuno Brederode Santos que era uma análise quantificada e demonstrativa da nulidade do esforço educacional e que começava com uma citação "lapidar" do ditador "ou refazemos a vida refazendo a educação ou não fazemos nada de verdadeiramente útil", que, pelo texto, se via como era na realidade completamente inverídica. Também nos merece destaque um número do "Idem" - jornal de alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, de Abril de 1964, com uma colaboração que nos aparece como digna de análise e mesmo de curiosidade, juntando nomes que se situam, hoje, em áreas diversas e sublinhando uma colaboração literária de valor, que convirá reler.
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