terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Mulher Portuguesa - Código Civil de 1966




O período a que poderemos chamar genericamente do ESTADO NOVO vai de 1926 a 1974, isto é, quarenta e oito anos, precisamente o triplo da duração da Primeira República, de 1910 a 1926, quer dizer, dezasseis anos. Todavia, a influência das Leis da Família não conseguiu ser destruída.

Na matéria que estamos tratando, o diploma mais importante foi o novo 566 Código Civil de 1966, que preferimos estudar em especial.

Verificou-se nos anos 30, não apenas em Portugal, mas também por quase toda a Europa, a adesão aos princípios do totalitarismo, que, ao contrário do liberalismo anterior, punha a colectividade acima do indivíduo e, neste caso específico, a família, como um todo, acima dos direitos dos seus membros. Era o retorno ao sistema patriarcal.

Na história universal, este período terminou precisamente com a derrota dos países totalitários, em 1945. Mas Portugal conservou-o, teimosamente, contra as correntes internacionais e as modificações sociais.

Dado o carácter fragmentário da legislação nesta época, não convém adoptar como critério expositivo os direitos da esposa e os da mãe, sendo preferível a enumeração cronológica. No entanto, diremos que, ainda no espírito da legislação anterior, um decreto de 1930 passou para as tutorias o julgamento da regularização do poder paternal nos casos de divórcio e separação judicial. Em 1931, nova redacção alargou-o aos casos de separação de facto, isto é, sem intervenção do tribunal. Foi muito importante para a mãe, que passou, em casos de dificuldades urgentes, a poder dirigir-se ao tribunal sem necessidade prévia de acção de separação judicial ou divórcio, porque, por lei, durante o casamento prevalecia, como vimos, o poder e a autoridade do pai.

A atitude para com a mulher foi expressa na Constituição Política de 1933, que no artigo 5.° estabelecia a igualdade perante a lei e a negação de qualquer privilégio de nascimento, nobreza, título nobliárquico, SEXO OU condição social, salvo, QUANTO À MULHER, AS DIFERENÇAS RESULTANTES DA SUA NATUREZA E DO BEM DA FAMÍLIA.

Disposição ambígua e contraditória.

Entretanto havia sido concedido às mulheres direito de voto nas eleições legislativas, desde que tivessem estudos secundários. Para os homens bastava saber ler e escrever.

O curioso critério de considerar os direitos da mulher como contrários ao bem da família teve como resultado o Código de Processo Civil de 1939 restabelecer o direito de o marido poder exigir o regresso da esposa ao domicílio conjugal, recorrendo à força se para tal fosse necessário. As mulheres da época nem queriam crer que a lei era tão cruel... Mas, ao contrário do que muita gente julga, as Leis da Família, de 1910, só foram revogadas neste ponto.

Os direitos de a mulher autora publicar livremente os seus escritos foram confirmados pela adesão de Portugal a uma convenção internacional sobre propriedade literária, em 1927. O princípio foi mesmo ampliado à mulher artista quanto à exposição das suas obras. Porém, o facto mais importante, relativamente à família, durante este período foi a Concordata entre Portugal e a Santa Sé, em 1940.

Por este diploma, os casais unidos canonicamente depois da sua promulgação não podiam divorciar-se. Mas este direito conservavam-no os casais unidos anteriormente, mesmo com cerimónia religiosa e todos que casassem civilmente.

Se as pessoas que casavam canonicamente obedecessem às leis da Igreja sobre a indissolubilidade do casamento, como obedeciam às regras da sua celebração, haveria apenas dramas privados. Mas não sucedia assim. As separações de facto sucediam-se e até aumentavam, porque alguns cônjuges, seguros da perpetuidade do seu casamento, não cuidavam de o conservar harmonioso.

Uma vez separados, os cônjuges raras vezes se davam ao trabalho de recorrer à separação judicial de pessoas e bens, que não lhes permitia refazer legalmente a vida. Não podendo refazer a vida legalmente, faziam-no irregularmente. Tornaram-se correntes as situações chamadas de mancebia, concubinato ou de união livre, e eram também adulterinas em

relação a uma das partes e, por vezes, em relação às duas.

Essas situações, de comuns e inevitáveis, tornaram-se socialmente aceites. Resultou daqui certo descrédito do casamento, que ainda não se desvaneceu, e profunda desorganização jurídica, especialmente pelo que respeitava à situação dos filhos nascidos de tais uniões.

Se o pai era casado com outra mulher, não podia perfilhar abertamente os filhos nascidos de nova união, forçosamente irregular. Não tinha sobre eles poder paternal, eles não usavam o seu nome de família, o que era doloroso nos casos estáveis. Nos outros, os filhos não lhe podiam pedir alimentos. O Código de Registo Civil de 1932 permitira que a paternidade do

filho adulterino fosse tomada pública se a esposa do pai o consentisse. Isso raras vezes se dava.

Se era a mãe que estava no estado de casada com outro homem, que não com o verdadeiro pai de seus filhos, a situação era ainda pior, porque esses filhos se presumiam filhos do marido, facto que só este podia contestar. Muitas vezes, ele tinha já desaparecido. As infelizes crianças tinham de ser registadas como filhos de pai incógnito ou, pelo menos, como filhos de

mãe incógnita, o que era lamentável.

A desorganização das famílias portuguesas levou em 1952 à promulgação de uma lei criando o «crime de abandono de família», considerando e punindo com prisão, em regra não remível por multa, a falta de assistência ao cônjuge e aos filhos menores.

Era uma lei cheia de boas intenções, mas mal redigida, pouco prática e cuidando só de situações regulares, como as de filhos legítimos ou perfilhados, ignorando pudicamente a situação dos mais carenciados, que eram os de nascimento irregular.

Entretanto, a Europa e mesmo o mundo caminhavam juridicamente em sentido oposto ao do direito português, restabelecendo o respeito pelos direitos individuais.

Neste campo, a disposição fundamental é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela ONU em 1948. Aqui a palavra «homem» é tomada na acepção lata de criatura humana e conservada por razões históricas e tradicionais. Mas logo no preâmbulo se falava na igualdade do homem e da mulher e no artigo 2.° dizia-se que não haverá nenhuma distinção de SEXO. Por isso, no texto, utilizam-se de preferência os termos «pessoa» e «indivíduo».

Portugal não podia, por muito que quisesse, ignorar esta doutrina. Por isso, sem adoptar os princípios de igualdade preconizados para a matéria pela ONU na Conferência de Nova Iorque de 1957, alterou em 1959 as regras sobre a nacionalidade da mulher casada.

Como já vimos, a mulher portuguesa que casava com estrangeiro perdia, em regra, automaticamente, a qualidade de portuguesa, para adquirir a nacionalidade do marido. Pela nova lei ela podia conservar, se quisesse, a sua nacionalidade.

Com o passar dos anos, a Concordata dera lugar a numerosas separações, situação em que os laços jurídicos entre esposa e marido permaneciam válidos. Muitas dessas mulheres, em má situação económica, precisavam de trabalhar e no decurso desse trabalho, ou mesmo por simples desejo lícito de viajar, necessitavam de se deslocar ao estrangeiro. Em virtude das

leis vigentes, precisavam para isso de autorização expressa do marido, sem a qual não podiam receber passaporte.

Como a situação entre casais desavindos era geralmente péssima, era frequente os maridos, por tendência, digamos, patriarcal, negarem essa autorização, ou só a concederem mediante certas concessões, o que consistia verdadeira chantagem, como, por exemplo, a doação duma propriedade (autêntico). O caso era tão dramático que foi aproveitado por vários romancistas da época.

Tão escandalosa se tornou a situação que em 1954 foi permitida a dispensa da autorização marital, após requerimento ao Ministério do Interior.

Em 1965, a autorização deixou de ser necessária para as mulheres judicialmente separadas de pessoas e bens, o que era lógico, pois nessa situação a vida matrimonial está interrompida.

Mas já anteriormente a autorização deixara de ser necessária para cada saída, limitando-se a sua necessidade para a obtenção do passaporte, cuja validade fora elevada de dois para cinco anos, E continuava a ser possível a dispensa dessa autorização conjugal.

Assim os factos se iam impondo a leis obsoletas.

O mesmo se passava no domínio do trabalho.

Pelo chamado Código do Trabalho, de 1966, mas anterior à entrada em vigor do novo Código Civil, estabelecia-se (artigo 115.°) que a esposa tinha capacidade para receber ela própria a remuneração pelo seu trabalho, o que, como vimos, era contrário às regras estabelecidas pelo Código de 1867, ainda vigente.

Esta regra já vigorava na Grã-Bretanha desde 1897 e na França desde 1907.

Também se estabelecia o princípio de que, entre os dois sexos, a trabalho igual cabe remuneração igual, preceito mais simples de enunciar do que de realizar.

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