sábado, 8 de abril de 2017

As "lições" de Salazar

(clicar nas imagens para as ampliar)

 

 

 

 

 

As lições de Salazar 

    Para assinalar os dez anos de governo de Salazar, é editada, em 1938, uma série de sete cartazes (ver gravuras acima publicadas) intitulada “A Lição de Salazar”, distribuída por todas as escolas primárias do país. Estes cartazes faziam parte de uma estratégia de inculcação de valores por parte do Estado Novo, destinando-se a glorificar a obra feita até então pelo ditador, desde o campo económico-financeiro às obras públicas. Durante muitos anos, estes cartazes didácticos foram utilizados como forma de transmitir uma ideia central: a superioridade de um Estado forte e autoritário sobre os regimes demoliberais.

    Para acentuar a importância do Estado Novo enquanto garante da ordem e progresso do país, os cartazes fazem uma comparação sistemática entre a obra do regime salazarista e a 1ª República: à desorganização económica e financeira e ao alheamento do Estado democrático e liberal republicano face aos problemas do país, sucede a organização financeira, a melhoria das vias de comunicação, a construção de portos, o ordenamento e progresso social promovidos pelo Estado Novo. 

Os cartazes acentuam esta ideia a partir de uma imagem cinzenta e triste da época da 1ª República, enquanto que o “depois” da obra salazarista nos aparece colorido, organizado, moderno.

    Um dos grandes problemas enfrentados pela 1ª República foi a desorganização financeira, que se traduziu num permanente défice das contas públicas que, por sua vez, é acompanhado por uma inflação elevada, subida generalizada dos preços e diminuição das salários reais, o que acarreta uma grande subida do custo de vida. Será, aliás, motivado por esse défice constante o convite endereçado a Salazar pelo governo da Ditadura Militar, para ocupar a pasta das Finanças. A sua política financeira, controlando com mão de ferro todos os gastos dos vários Ministérios, aumentando os impostos e cortando nas despesas públicas, permite equilibrar as contas públicas, valendo-lhe o epíteto de “Salvador da Pátria” e está na base do convite que lhe é endereçado em 1932 para chefiar o Governo.    

A obra do Estado Novo seria então glorificada nesses cartazes, salientando sempre a acção do ditador no sentido de desenvolver o país, ao mesmo tempo que o pacificava em termos sociais. O corporativismo seria, aliás, a forma de organização económica e social encontrada para ultrapassar os problemas gerados pelo capitalismo liberal e uma forma de ultrapassar a luta de classes, ideia central da ideologia marxista. Ao Estado liberal, abstencionista em matéria económica e laboral sucedia um Estado intervencionista na economia, aceitando o capitalismo, mas reconhecendo a função social da propriedade, do capital e do trabalho, obrigando os indivíduos a viverem num clima de harmonia social e deixando para o Estado o papel de regulador da vida económica e social.

    O corporativismo promoveria, assim, a harmonia social, aspecto em que se opunha ao clima de confrontação social da 1ª República, permitindo uma nova ordem, a justiça social e o progresso de todas as camadas da população. Um país respeitado, com um Estado forte (entenda-se, um Poder Executivo forte e autoritário que não depende de partidos políticos) com uma economia saudável e uma sociedade harmoniosamente organizada  eram os objectivos de Salazar. Embora o País continuasse, por largos anos, profundamente rural e agrícola (o surto emigratório é disso exemplo), a propaganda do Estado Novo salientava a modernidade inerente à obra do regime, nomeadamente no sector das obras públicas, fundamental para o fomento económico do país e consequente progresso social.

O último cartaz da série, “Deus, Pátria, Família: a Trilogia da Educação Nacional” é uma esplêndida síntese da pedagogia e moral salazaristas: a imagem revela o lar perfeito, rústico, humilde, analfabeto, patriarcal, cristão. É a apologia da saudável e simples vida do campo, por oposição aos vícios gerados pela vida urbana. Lar simples, aconchegado, sem água nem electricidade, sem um jornal ou aparelho de rádio, nada que faça lembrar a indústria, a modernidade. A mulher que, submissa, cumpre a sua missão de esposa e mãe; o pai, chefe de família, que chega do campo onde labuta para angariar o sustento da casa; o crucifixo, o pão e o vinho sobre a mesa, fazendo lembrar o sacrifício da missa; os filhos que, reverentemente saúdam o pai, ali o Chefe; ao fundo, o castelo com a bandeira nacional revela a gloriosa história da pátria.

    É o mundo perfeito, sem violência, sem vícios, sem protestos, perfeitamente ordenado, traduzindo uma ordem económica, política e social que o Estado Novo considerava perfeitas.

    A escola é o palco privilegiado para a inculcação dos valores defendidos pelo Estado Novo. 
Os manuais escolares, livros únicos para o então Ensino Primário, criteriosamente seleccionados pelo Ministério da Educação Nacional e adoptados por longos anos, dão-nos imensos exemplos desses valores: a glorificação da obra do Estado Novo e do seu líder, Salazar; o papel subalterno da mulher, limitada à função de esposa e mãe; a caridade que, quantas vezes, substitui a função social do Estado; a catequese, incutindo os rudimentos da doutrina católica; a gloriosa história pátria que transforma Portugal na Nação mais bela do mundo e de que o Estado Novo é o mais legítimo herdeiro.




Folheando o Livro da Primeira Classe, da Editora A Educação Nacional, podemos observar o que acabei de referir. Eis alguns exemplos:

    «A dona de casa»
    Emilita é muito esperta e desembaraçada, e gosta de ajudar a mãe.
    - Minha mãe: já sei varrer a cozinha, arrumar as cadeiras e limpar o pó. Deixe-me pôr hoje a mesa para o jantar.
    - Está bem, minha filha. Quando fores grande, hás-de ser boa dona de casa.»

«Os pobrezinhos»
    - Batem à porta. Meu filho, vai ver quem é.
    - É um pobre, minha mãe, um pobrezinho a pedir esmola.
    A mãe veio logo com um prato de sopa e deu-o ao pobre. Depois, voltou para a sala de costura e deixou o filho a fazer companhia ao mendigo. Este, quando acabou de comer, disse por despedida:
    - Deus faça bem a quem bem faz!
    O menino ficou comovido: - Que pena tive do pobrezinho!
    - E é caso para isso, respondeu a mãe. Os pobres são nossos irmãos. Devemos fazer-lhes todo o bem que pudermos. Jesus ensinou que até um copo de água, dado aos pobres por caridade, terá grande prémio no céu.»

«O Anjo da Guarda»
    O Fernando vai ao colégio e tem de passar em ruas e praças onde se cruzam automóveis.
    - Cautela, Fernandinho! Vai sempre com atenção.
    O menino às vezes é distraído e não pensa no perigo. Mas a mãe, que ficou em casa a trabalhar, nunca se esquece do filho e vai pedindo ao Anjo da Guarda que o acompanhe:
    - Anjo da Guarda, livrai o meu menino de todos os perigos. Velai por ele!»

«A cantina escolar»
    - Gostei tanto de ir hoje à escola, minha mãe! A senhora professora estava muito contente, porque inaugurou uma cantina, onde os meninos pobres podem almoçar de graça. Se visse, Mãezinha! As mesas muito asseadas, os pratos branquinhos, jarras floridas e tudo tão alegre!
    A sopa cheirava que era um regalo; e todos nós estávamos satisfeitos, ao ver os pobrezinhos matar a fome.
    O filho do carpinteiro, a quem eu às vezes dava da minha merenda, de vez em quando ria-se para nós, como que a dizer:
    - Está óptima, a sopinha!
    Perguntei à senhora professora quem tinha feito tanto bem à nossa escola e ela respondeu-me:
    - Foi o Estado Novo que gosta muito das crianças e para elas tem mandado fazer escolas e cantinas, creches e parques. Mas as famílias que possam também devem ajudar. Não te esqueças de o dizer à tua mãe.»

«Respeitai as autoridades
    O pai é a autoridade na família. Os filhos são obrigados a ter-lhe amor, respeito e obediência. O professor é a autoridade na escola. Todos os meninos devem obedecer às suas ordens e estar com atenção às suas lições.
    É Deus quem nos manda respeitar os superiores e obedecer às autoridades.»


«ANTES DA AULA:
Todos: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ámen.
Professor: Jesus, divino Mestre,
Todos: iluminai a minha inteligência, dirigi a minha vontade, purificai o meu coração, para que eu seja sempre cristão fiel a Deus e cidadão útil à Pátria.
Todos: Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória.

DEPOIS DA AULA:
 Professor: Graças Vos damos, Senhor,
Todos: por todos os benefícios que nos tendes concedido. Ámen.
Professor: Abençoai, Senhor,
Todos: a Vossa Igreja, a nossa Pátria, os nossos Governantes, as nossas famílias e todas as escolas de Portugal. Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ámen.»


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