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As lições de Salazar
Para assinalar os dez anos de governo de Salazar, é
editada, em 1938, uma série de sete cartazes (ver gravuras acima publicadas) intitulada “A Lição de Salazar”, distribuída por todas as escolas
primárias do país. Estes cartazes faziam parte de uma estratégia de inculcação
de valores por parte do Estado Novo, destinando-se a glorificar a obra feita
até então pelo ditador, desde o campo económico-financeiro às obras públicas. Durante muitos anos, estes cartazes didácticos foram
utilizados como forma de transmitir uma ideia central: a
superioridade de um Estado forte e autoritário sobre os regimes demoliberais.
Para acentuar a importância do Estado Novo enquanto
garante da ordem e progresso do país, os cartazes fazem uma comparação
sistemática entre a obra do regime salazarista e a 1ª República: à
desorganização económica e financeira e ao alheamento do Estado democrático e
liberal republicano face aos problemas do país, sucede a organização
financeira, a melhoria das vias de comunicação, a construção de portos, o
ordenamento e progresso social promovidos pelo Estado Novo.
Os cartazes acentuam esta ideia a partir de
uma imagem cinzenta e triste da época da 1ª República, enquanto que o “depois”
da obra salazarista nos aparece colorido, organizado, moderno.
Um dos grandes problemas enfrentados pela 1ª República foi a desorganização
financeira, que se traduziu num permanente défice das contas públicas que, por
sua vez, é acompanhado por uma inflação elevada, subida generalizada dos preços
e diminuição das salários reais, o que acarreta uma grande subida do custo de
vida. Será, aliás, motivado por esse défice constante o convite endereçado a
Salazar pelo governo da Ditadura Militar, para ocupar a pasta das Finanças. A
sua política financeira, controlando com mão de ferro todos os gastos dos
vários Ministérios, aumentando os impostos e cortando nas despesas públicas,
permite equilibrar as contas públicas, valendo-lhe o epíteto de “Salvador da
Pátria” e está na base do convite que lhe é endereçado em 1932 para chefiar o
Governo.
A obra do Estado Novo seria então
glorificada nesses cartazes, salientando
sempre a acção do ditador no sentido de desenvolver o país, ao mesmo tempo
que o pacificava em termos sociais. O corporativismo seria, aliás, a forma de
organização económica e social encontrada para ultrapassar os problemas gerados
pelo capitalismo liberal e uma forma de ultrapassar a luta de classes, ideia
central da ideologia marxista. Ao Estado liberal, abstencionista em matéria
económica e laboral sucedia um Estado intervencionista na economia, aceitando o
capitalismo, mas reconhecendo a função social da propriedade, do capital e do
trabalho, obrigando os indivíduos a viverem num clima de harmonia social e
deixando para o Estado o papel de regulador da vida económica e social.
O corporativismo promoveria, assim, a harmonia social,
aspecto em que se opunha ao clima de confrontação social da 1ª República,
permitindo uma nova ordem, a justiça social e o progresso de todas as camadas da
população. Um país respeitado, com um Estado forte (entenda-se, um Poder
Executivo forte e autoritário que não depende de partidos políticos) com uma
economia saudável e uma sociedade harmoniosamente organizada eram os
objectivos de Salazar. Embora o País continuasse, por largos anos,
profundamente rural e agrícola (o surto emigratório é disso exemplo), a
propaganda do Estado Novo
salientava a modernidade inerente à obra do regime, nomeadamente no sector das
obras públicas, fundamental para o fomento económico do país e consequente
progresso social.
O último cartaz da série, “Deus, Pátria, Família: a
Trilogia da Educação Nacional” é uma esplêndida síntese da pedagogia e moral
salazaristas: a imagem revela o lar perfeito, rústico, humilde, analfabeto,
patriarcal, cristão. É a apologia da saudável e simples vida do campo, por
oposição aos vícios gerados pela vida urbana. Lar simples, aconchegado, sem
água nem electricidade, sem um jornal ou aparelho de rádio, nada que faça
lembrar a indústria, a modernidade. A mulher que, submissa, cumpre a sua missão
de esposa e mãe; o pai, chefe de família, que chega do campo onde labuta para
angariar o sustento da casa; o crucifixo, o pão e o vinho sobre a mesa, fazendo
lembrar o sacrifício da missa; os filhos que, reverentemente saúdam o pai, ali
o Chefe; ao fundo, o castelo com a bandeira nacional revela a gloriosa história
da pátria.
É o mundo perfeito, sem violência, sem vícios, sem
protestos, perfeitamente ordenado, traduzindo uma ordem económica, política e
social que o Estado Novo considerava perfeitas.
A
escola é o palco privilegiado para a inculcação dos valores defendidos pelo
Estado Novo.
Os manuais escolares, livros únicos para o então Ensino
Primário, criteriosamente seleccionados pelo Ministério da Educação Nacional e
adoptados por longos anos, dão-nos imensos exemplos desses valores: a
glorificação da obra do Estado Novo e do seu líder, Salazar; o papel subalterno
da mulher, limitada à função de esposa e mãe; a caridade que, quantas vezes,
substitui a função social do Estado; a catequese, incutindo os rudimentos da
doutrina católica; a gloriosa história pátria que transforma Portugal na Nação
mais bela do mundo e de que o Estado Novo é o mais legítimo herdeiro.
Folheando o Livro
da Primeira Classe, da Editora
A Educação Nacional, podemos observar o que acabei de referir. Eis
alguns exemplos:
«A dona de casa»
- Minha mãe: já sei varrer a cozinha, arrumar as cadeiras e limpar o pó.
Deixe-me pôr hoje a mesa para o jantar.
- Está bem, minha filha. Quando fores grande, hás-de ser boa dona de casa.»
«Os pobrezinhos»
- Batem à porta. Meu filho, vai ver quem é.
- É um pobre, minha mãe, um pobrezinho a pedir esmola.
A mãe veio logo com um prato de sopa e deu-o ao pobre. Depois, voltou para a
sala de costura e deixou o filho a fazer companhia ao mendigo. Este, quando
acabou de comer, disse por despedida:
- Deus faça bem a quem bem faz!
O menino ficou comovido: - Que pena tive do pobrezinho!
- E é caso para isso, respondeu a mãe. Os pobres são nossos irmãos. Devemos
fazer-lhes todo o bem que pudermos. Jesus ensinou que até um copo de água, dado
aos pobres por caridade, terá grande prémio no céu.»
«O Anjo da Guarda»
O Fernando vai ao colégio e tem de passar em ruas e praças onde se cruzam
automóveis.
- Cautela, Fernandinho! Vai sempre com atenção.
O menino às vezes é distraído e não pensa no perigo. Mas a mãe, que ficou em
casa a trabalhar, nunca se esquece do filho e vai pedindo ao Anjo da Guarda que
o acompanhe:
- Anjo da Guarda, livrai o meu menino de todos os perigos. Velai por ele!»
«A cantina escolar»
- Gostei tanto de ir hoje à escola, minha mãe! A senhora professora estava
muito contente, porque inaugurou uma cantina, onde os meninos pobres podem
almoçar de graça. Se visse, Mãezinha! As mesas muito asseadas, os pratos
branquinhos, jarras floridas e tudo tão alegre!
A sopa cheirava que era um regalo; e todos nós estávamos satisfeitos, ao ver os
pobrezinhos matar a fome.
O filho do carpinteiro, a quem eu às vezes dava da minha merenda, de vez em
quando ria-se para nós, como que a dizer:
- Está óptima, a sopinha!
Perguntei à senhora professora quem tinha feito tanto bem à nossa escola e ela
respondeu-me:
- Foi o Estado Novo que gosta muito das crianças e para elas tem mandado fazer
escolas e cantinas, creches e parques. Mas as famílias que possam também devem
ajudar. Não te esqueças de o dizer à tua mãe.»
«Respeitai as autoridades
O pai é a autoridade na família. Os filhos são obrigados
a ter-lhe amor, respeito e obediência. O professor é a autoridade na escola.
Todos os meninos devem obedecer às suas ordens e estar com atenção às suas
lições.
É Deus quem nos manda respeitar os
superiores e obedecer às autoridades.»
Todos: Em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Ámen.
Professor: Jesus, divino Mestre,
Todos: iluminai a minha inteligência,
dirigi a minha vontade, purificai o meu coração, para que eu seja sempre
cristão fiel a Deus e cidadão útil à Pátria.
Todos: Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória.
DEPOIS DA
AULA:
Professor: Graças Vos damos, Senhor,
Todos: por todos os benefícios que nos
tendes concedido. Ámen.
Professor: Abençoai, Senhor,
Todos: a Vossa Igreja, a nossa Pátria, os
nossos Governantes, as nossas famílias e todas as escolas de Portugal.
Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Ámen.»
In
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de Salazar (sobre os cartazes didácticos nas escolas).mht
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