22-29 de Novembro de 1864
Senhor, felicitamos o povo americano
pela sua reeleição por uma larga maioria. Se a palavra de ordem reservada da
sua primeira eleição foi resistência ao Poder dos Escravistas [Slave Power], o
grito de guerra triunfante da sua reeleição é Morte à Escravatura.
Desde o começo da titânica contenda
americana, os operários da Europa sentiram instintivamente que a bandeira das
estrelas carregava o destino da sua classe. A luta por territórios que
desencadeou a dura epopeia não foi para decidir se o solo virgem de regiões
imensas seria desposado pelo trabalho do emigrante ou prostituído pelo passo do
capataz de escravos?
Quando uma oligarquia de 300 000
proprietários de escravos ousou inscrever, pela primeira vez nos anais do
mundo, “escravatura” na bandeira da Revolta Armada, quando nos precisos lugares
onde há quase um século pela primeira vez tinha brotado a ideia de uma grande
República Democrática, de onde saiu a primeira Declaração dos Direitos do Homem
(2) e de onde foi dado o primeiro impulso para a revolução Europeia do século
XVIII; quando, nesses precisos lugares, a contrarrevolução, com sistemática
pertinácia, se gloriou de prescindir das “ideias vigentes ao tempo da formação
da velha constituição” e sustentou que “a escravatura é uma instituição
beneficente”, [que], na verdade, [é] a única solução para o grande problema da
«relação do capital com o trabalho” e cinicamente proclamou a propriedade sobre
o homem como “a pedra angular do novo edifício” — então, as classes operárias
da Europa compreenderam imediatamente, mesmo antes da fanática tomada de
partido das classes superiores pela fidalguia [gentry] confederada ter dado o
seu funesto aviso, que a rebelião dos proprietários de escravos havia de tocar
a rebate para uma santa cruzada geral da propriedade contra o trabalho e que,
para os homens de trabalho, [juntamente] com as suas esperanças para o futuro,
mesmo as suas conquistas passadas estavam em causa nesse tremendo conflito do
outro lado do Atlântico. Por conseguinte, suportaram pacientemente, por toda a
parte, as privações que lhes eram impostas pela crise do algodão (3),
opuseram-se entusiasticamente à intervenção pró-escravatura — importuna
exigência dos seus superiores — e, na maior parte das regiões da Europa, contribuíram
com a sua quota de sangue para a boa causa.
Enquanto os operários, as verdadeiras
forças [powers] políticas do Norte, permitiram que a escravatura corrompesse a
sua própria república, enquanto perante o Negro — dominado e vendido sem o seu
consentimento — se gabaram da elevada prerrogativa do trabalhador de pele
branca de se vender a si próprio e de escolher o seu próprio amo, foram
incapazes de atingir a verdadeira liberdade do trabalho ou de apoiar os seus
irmãos Europeus na sua luta pela emancipação; mas esta barreira ao progresso
foi varrida pelo mar vermelho da guerra civil (4).
Os operários da Europa sentem-se
seguros de que, assim como a Guerra da Independência Americana (5) iniciou uma
nova era de ascendência para a classe média, também a Guerra Americana Contra a
Escravatura o fará para as classes operárias.
Consideram uma garantia da época que
está para vir que tenha caído em sorte a Abraham Lincoln, filho honesto da
classe operária, guiar o seu país na luta incomparável pela salvação de uma raça
agrilhoada e pela reconstrução de um mundo social.
Karl Marx
Notas
1 — A Mensagem da Associação
Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos Estados
Unidos, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do
Conselho Geral. No auge da Guerra Civil nos Estados Unidos esta mensagem teve
uma grande importância. Sublinhou a enorme importância da guerra contra a
escravatura na América para os destinos de todo o proletariado internacional.
Apoiando todos os movimentos progressistas e democráticos, Marx e Engels
educavam no proletariado e nos seus elementos de vanguarda na Internacional uma
atitude verdadeiramente internacionalista em relação à luta dos povos oprimidos
pela sua libertação.
2 — Trata-se da Declaração de Independência,
adotada em 4 de julho de 1776 no Congresso de Filadélfia pelos delegados das 13
colônias britânicas da América do Norte; o congresso proclamou a separação das
colônias norte-americanas na Grã-Bretanha e a formação de uma república
independente: os Estados Unidos da América. Nesse documento foram formulados
princípios democráticos burgueses tais como a liberdade da pessoa, a igualdade
dos cidadãos perante a lei, a soberania do povo, etc. Todavia, a burguesia e os
grandes proprietários fundiários americanos violaram desde o início os direitos
democráticos proclamados na Declaração, afastaram as massas populares da vida
política e mantiveram a escravatura, que privava os negros, que constituíam uma
parte importante da população, dos direitos mais elementares da pessoa humana.
3 — A crise do algodão foi provocada
pela cessação do fornecimento de algodão vindo da América, em virtude do
bloqueio dos Estados escravistas do Sul pela Marinha dos nortistas durante a
Guerra Civil. Uma grande parte da indústria algodoeira da Europa ficou
paralisada, o que se refletiu duramente na situação dos operários. Apesar de
todas as privações, o proletariado europeu apoiou decididamente os Estados do
Norte.
4 — A Guerra Civil na América
(1861-1865) opôs, nos Estados Unidos, os Estados industriais do Norte e os
Estados escravistas do Sul, que se rebelaram contra a abolição da escravatura.
A classe operária da Inglaterra opôs-se à política da burguesia inglesa, que
apoiava os plantadores escravistas, e impediu a ingerência da Inglaterra na
Guerra Civil nos Estados Unidos.
5 — A Guerra da Independência das
colónias inglesas na América do Norte (1775-1783) contra a dominação inglesa
foi causada pela aspiração da nação burguesa americana, em formação, à
independência e à supressão dos obstáculos que entravavam o desenvolvimento do
capitalismo. Em resultado da vitória dos norte-americanos foi criado um Estado
burguês independente: os Estados Unidos da América.
In “Obras Escolhidas”, de Karl Marx, (Editorial
Avante!/Edições Progresso Lisboa-Moscou, 1982, tradução de José Barata-Moura).
A carta foi escrita entre 22 e 29 de
novembro de 1864, em plena Guerra Civil Americana. Foi publicada em “The
Bee-Hive Newspaper”, nº 169, de 7 de janeiro de 1865.
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