terça-feira, 21 de abril de 2015

A Magna Carta

Geoff Pick, da prefeitura de Londres, exibe um exemplar da Magna Carta, para muitos, o mais importante documento da História da Inglaterra (Foto: Carl Court/AFP)



CERTIDÃO DE IGUALDADE

A Magna Carta, o documento que há 800 anos, na Inglaterra, estabeleceu que ninguém está acima das leis, nem o rei. 

Escrita em latim num pergaminho de couro, nos arredores de Londres, há 800 anos, a Magna Carta é mais avançada em termos de direitos humanos e progresso social do que essas toscas experiências políticas em voga atualmente no mundo. 
Se aplicada na Venezuela de Nicolás Maduro, na Argentina de Cristina Kirchner ou na Rússia de Vladimir Putin, a Magna Carta de 1215 seria um choque de democracia.

“Nenhum homem será aprisionado ou privado de sua propriedade, ou tornado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra. A ninguém recusaremos ou postergaremos direito ou justiça”, lê-se no trecho de influência mais perene.

A essência do documento, que em 15 de junho completará oito séculos, foi, pela primeira vez na história, impor limites a um monarca, no caso o rei João. O acerto inicial beneficiou apenas os barões do reino. Mas seu escopo foi ampliado com o tempo para todos os habitantes da Inglaterra. A Magna Carta serviu de base para as democracias modernas ao dar vida ao que hoje se conhece por “estado de direito”. Nenhum monarca, czar ou caudilho pode colocar-se acima das leis dos homens.
O rei que se viu obrigado a deixar esse legado democrático foi um símbolo máximo do autoritarismo. Em 1199, com a morte de seu irmão Ricardo Coração de Leão, João herdou o trono. Como Ricardo havia indicado seu sobrinho Artur para a cadeira, João o matou. Segundo um cronista daquele tempo, antes Artur foi mutilado. Outro diz que João esmagou a cabeça do sobrinho com uma pedra e jogou o corpo no rio. O ano era 1203 e Artur tinha 16 anos.
João também tomava para si as mulheres e filhas dos senhores feudais, que eram obrigados a se sujeitar à humilhação como prova de lealdade. Matilda de Briouze, a mulher de um barão que ousou dizer não, foi presa com o filho em um castelo, sem comida. Foi encontrada morta depois de cravar os dentes na bochecha do garoto, que sucumbira de fome.

Na Baixa Idade Média (séculos XI ao XV), o reconhecimento da autoridade de um rei, acima dos senhores feudais, foi um enorme avanço social e económico. Um monarca com poder incontestável sobre determinado território tornou o comércio mais seguro e diminuiu a violência das insurreições populares. João, porém, abusou de sua autoridade, cobrando impostos extorsivos para financiar suas guerras e punindo cruelmente quem se recusasse a pagar. Revoltados, os barões tomaram Londres. Acuado, o rei aceitou todas as demandas. Cópias do pergaminho, com o selo do monarca, foram enviadas para ser lidas nos púlpitos das igrejas.

Entre as determinações da Magna Carta consta que os impostos não poderiam mais ser criados sem o consentimento dos pagadores de impostos. Além disso, as viúvas dos barões não poderiam mais ser obrigadas a se casar com quem o rei determinasse. Prisões arbitrárias não seriam mais toleradas, e todos teriam direito a um julgamento correto. Um conselho de 25 homens foi formado para supervisionar as atitudes do monarca.
Um mês depois de aceitar os termos da Magna Carta, o rei João voltou atrás e recorreu ao papa para que a cancelasse. João morreu de disenteria na guerra interna contra os barões do reino.

As ideias centrais do documento foram um marco na evolução das sociedades e inspiraram muitos outros eventos libertários. A Revolução Gloriosa, de 1688, foi um exemplo. Os ingleses, 473 anos depois da Magna Carta, rebelaram-se contra Jaime II, que foi afastado pacificamente, sem o banho de sangue que se viu na Revolução Francesa.

Em Paris, o objetivo era destruir o sistema para construir outro, novo e perfeito. Para os franceses, só isso caracterizaria uma revolução. 

O político irlandês Edmund Burke (1729-1797), o primeiro e talvez o maior crítico da Revolução Francesa, desmontou facilmente o argumento. Para Burke, que previu com anos de antecedência a degeneração para o terror do experimento parisiense, a superioridade da Revolução Gloriosa não estava em ter ocorrido mais de 100 anos antes nem em ter sido incruenta, mas em ter respeitado as “complexidades da natureza humana e da vida em sociedade”.

No século seguinte, a independência americana foi herdeira da Magna Carta, ecoada na Quinta Emenda da Constituição: “Ninguém pode ser privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”. 

Em 2008, um juiz americano citou o texto medieval em sua defesa, de que os detidos em Guantánamo tivessem direito a julgamento em tribunal e não pela Justiça Militar.

Uma cópia da Magna Carta vai ser exposta em Brasília em julho. Findas as celebrações, ela volta a Londres. Perfeito seria se seus princípios ficassem.


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