O QUADRO ECONÓMICO E DEMOGRÁFICO: EXPANSÃO E LIMITES DO CRESCIMENTO
Depois de
longos séculos de crise e instabilidade, a Europa reencontrou, de novo, a sua
força e o seu espírito empreendedor. Entre o século XI e o século XIII, o
Ocidente viveu um período de acentuada prosperidade económica. Esta
prosperidade atingiu, antes de mais, o mundo rural, saldando-se por um
importante desenvolvimento agrícola.
* O
desenvolvimento agrícola
O primeiro aspeto
a considerar é a expansão da superfície cultivada. No ano mil, as florestas
cobriam a Europa, ocupando uma enorme parte do solo, em detrimento da terra
cultivada. No decurso dos três séculos seguintes, os homens desbravaram
bosques, amanharam baldios e secaram pântanos, transformando-os em terras de
lavoura. Estes grandes arroteamentos ficaram a dever-se à ação individual de
muitos camponeses, mas, sobretudo, à iniciativa conjunta de reis, senhores
laicos, ordens monásticas (Cluny, Cister, etc.) e até cidades. Eram, afinal, os
que mais capacidades tinham para enquadrar os camponeses, fornecer as primeiras
sementes, os instrumentos de trabalho, os materiais de construção. Associada a
estes arroteamentos esteve a fundação de novas povoações, cujos habitantes
beneficiaram da concessão de terras e outros incentivos, por parte dos senhores
ou dos monarcas. Este fenómeno, que se acentuou no século XIII, deixou as suas
marcas no nome de muitas localidades: «aldeia nova de ...», «vila nova de ...»,
«salvaterra» são, em Portugal, topónimos que, geralmente, datam desta época.
Ao mesmo
tempo que aumentava a superfície cultivada, um conjunto de progressos técnicos
permitia um melhor aproveitamento do solo:
• O emprego
crescente do ferro nos utensílios agrícolas, nomeadamente na charrua, auxiliou
o esforço dos cultivadores, permitindo abrir mais profundamente o solo e fixar
melhor as sementes.
• A canga
frontal para os bois e a coelheira rígida para os cavalos possibilitaram um
melhor aproveitamento da força animal.
• O
afolhamento com rotação trienal de culturas, que substituiu a tradicional
divisão da terra em apenas duas folhas (uma lavrada e outra em pousio),
permitiu granjear, cada ano, uma maior parcela de terreno.
• A fertilização dos campos com marga (argila
calcária) e cinzas e a maior utilização de estrume animal melhorou a qualidade
dos solos.
Todos estes aspetos
se traduziram por um aumento da produtividade agrícola que, acompanhada pelo
incremento da pecuária, fez crescer significativamente as disponibilidades
alimentares da Europa.
* O
crescimento demográfico
Nos tempos
medievais, a abundância de alimentos reflete-se, de imediato, no número de
homens. Quando as grandes fomes recuaram, diminuíram também as epidemias
porque, melhor alimentada, a população tornou-se mais resistente à doença.
Dispondo de bens essenciais, de um clima geral de paz e de um desenvolvimento
económico em todos os sectores, a Europa viu, entre os séculos XI e XIII, a sua
população prestes a duplicar. Na zona ocidental, onde este surto demográfico foi
mais acentuado, a Europa tornou-se, no dizer dos historiadores, «um mundo
cheio». Para além do sector agrícola, a prosperidade fez-se sentir no comércio
e no artesanato, que registaram, também, grande desenvolvimento. O seu
dinamismo contribuiu, em muito, para o renascimento das cidades, que,
finalmente, recuperaram do marasmo em que tinham mergulhado desde a queda do
Império Romano.
* O surto
urbano
Em torno dos
velhos castelos senhoriais, junto aos portos ou às vias de circulação, de
origem romana ou de fundação mais recente, as cidades aumentam em número e em
tamanho. Para além de crescerem, as cidades transformam-se. Anteriormente eram,
sobretudo, centros políticos, militares ou religiosos, derivando a sua
importância da dignidade do nobre ou do bispo que as habitava. A partir do
século XII, as cidades medievais assumem uma feição essencialmente económica.
Nelas se estabelecem mercadores, banqueiros, artesãos, lojistas, que as animam
e enriquecem. São eles os mais característicos habitantes do burgo e, por isso,
tomam o nome de burgueses. Assim se individualiza um novo grupo social, a
burguesia, que para sempre permanecerá ligado à cidade e às suas atividades.
Mas nem só de comerciantes e artesãos se anima a cidade medieval. A ela afluem
nobres à procura de divertimentos e artigos de luxo, peregrinos em busca de
hospitalidade, desenraizados na esperança de uma vida melhor. A cidade
assume-se, pois, como um pólo de atração, em permanente crescimento, atingindo
o seu auge no início do século XIV, antes que a mortífera Peste Negra venha
dizimar boa parte dos seus habitantes. Devemos ter presente que o conceito de
cidade abrangia, então, aglomerados bem pequenos, às vezes de um milhar de
habitantes.
* A
dinamização das trocas locais e regionais
Embora
muitas cidades se animassem, em determinadas épocas do ano, com a realização de
grandes feiras internacionais, eram os pequenos mercados de dominante agrícola
que alimentavam a vida económica corrente, estabelecendo uma ligação contínua
entre a cidade e os campos mais próximos. As necessidades de abastecimento da
população urbana representavam para o camponês um mercado certo, onde podia
vender com proveito os seus excedentes: cereais, frangos, ovos, queijo,
legumes, lã. Embora pesadas, as rendas senhoriais eram, normalmente, fixas, o
que estimulava o agricultor a produzir mais, visto que o excedente revertia em
seu benefício. Evidentemente que só eram assíduos ao mercado os camponeses das
aldeias mais próximas e esses não chegavam para satisfazer a procura. Estima-se
que a área de abastecimento de uma cidade de 10 a 20 mil habitantes pudesse
abranger um raio de 50 km e essa distância não era, salvo raras ocasiões,
percorrida pelo camponês. As ligações cidade-campo estabeleciam-se, neste caso,
através de profissionais, os almocreves, que atuavam como intermediários,
abastecendo a cidade de géneros alimentícios e as zonas agrícolas de produtos
manufaturados. Também de realçar é o papel dos senhores, leigos e
eclesiásticos, que na cidade tinham os seus palácios. Proprietários de grandes
domínios, recebiam parte das rendas em géneros, que mandavam comercializar no
mercado local. O mesmo se passava com mosteiros e abadias, cujos excedentes
chegavam regularmente à cidade. Regulamentar o mercado e abastecer eficazmente
a cidade tornou-se uma preocupação e um dever das autoridades urbanas. Era
necessário garantir que os produtos chegassem ao seu destino, pelo que se
proibia a venda pelo caminho ou fora das horas regulamentares. Havia também que
evitar os aumentos exagerados dos preços. As medidas tomadas nesse sentido eram
rígidas: limitavam-se as quantidades que cada um podia adquirir e puniam-se
severamente todos os comerciantes que tentassem enganar o comprador, praticando
um preço mais elevado. Este mercado local, pela sua incansável repetição,
representava o maior volume de trocas desta época, contribuindo decisivamente
para a afirmação da economia monetária. Toda a vida económica beneficiou do seu
impulso e, pouco a pouco, a rede de trocas foi-se alargando a circuitos
mercantis mais vastos e organizados. Um intenso comércio regional reanimou as
estradas e os rios europeus estabelecendo, de novo, as ligações entre os
centros de produção e de consumo.
AS GRANDES ROTAS DO COMÉRCIO EXTERNO
Nos séculos
XII e XIII o comércio europeu organiza-se em dois conjuntos económicos que
coincidem basicamente, com as zonas industriais mais ativas: o Norte, flamengo
e alemão, navega e mercadeja no Atlântico, no mar do Norte e no Báltico; o Sul,
liderado pelos mercadores italianos, utiliza o Mediterrâneo, ainda e sempre via
privilegiada de circulação. Estes dois mundos, geograficamente diferentes,
atraem-se e completam-se. A sua ligação faz-se por via terrestre, numa longa
estrada norte-sul. É nesta via de ligação, onde se cruzam mercadores e
mercadorias, que se desenvolve um terceiro pólo económico: as feiras da
Champagne.
* A Flandres
Desde cedo
que, na Flandres, uma ativa indústria de lanifícios fez prosperar as cidades.
Gand, Ypres, Bruges, Donai, entre outras, eram cidades manufatureiras cujos
tecidos chegavam a toda a Europa e até, por intermédio dos italianos, ao
Oriente. À prosperidade trazida pela indústria juntava-se a riqueza conseguida
no comércio. A Flandres atraía, por força da sua posição geográfica, mercadores
dos quatro cantos da Europa: do Norte, vinham os alemães, das cidades
hanseáticas. Traziam os produtos do Báltico e das longínquas regiões da Rússia.
Do Sul chegavam os italianos, primeiro por terra, atravessando os Alpes e a
França, depois por via marítima, através do estreito de Gibraltar.
Transportavam produtos mediterrânicos e especiarias orientais. Com eles
misturavam-se também Espanhóis, Portugueses, Ingleses, Franceses, entre muitas
outras nacionalidades que aqui ocorriam para comprar e vender. As cidades
flamengas, com destaque para Bruges, acolhem os mercadores estrangeiros com
privilégios, concedendo-lhes residência e autorização para construírem as suas
casas de comércio, com oficinas, armazéns, locais de carga e descarga. Bruges
torna-se o local mais cosmopolita da Europa, onde se transacionam as peles, a
madeira e a cera do Norte, os vinhos, o sal e o azeite da Península Ibérica, as
lãs de Inglaterra, o alúmen da Síria e as especiarias do Oriente.
* O comércio
da Hansa
Quando, no
século XI, as trocas se reativaram, o comércio à distância era uma aventura
arriscada, em que se perdiam muitas vezes homens e mercadorias. Cedo se
desenvolveram, por isso, associações mercantis destinadas a assegurar a proteção
dos comerciantes de uma cidade ou região e a defender os seus interesses: as
hansas ou guildas. De todas estas associações, a que uniu as cidades do mar do
Norte e do mar Báltico, conhecida como Hansa Teutónica, foi, sem dúvida, a mais
poderosa, de tal modo que, muitas vezes, a ela nos referimos simplesmente como
«a Hansa». A Hansa Teutónica era, pois, uma vasta associação de cidades (cerca
de 90, nos seus tempos áureos) destinada a assegurar o monopólio do comércio do
mar Báltico e, quanto possível, do mar do Norte. Hamburgo, Dantzig, Riga,
Colónia e, em especial, Lubeque eram as principais cidades hanseáticas. Muito ativos,
os comerciantes hanseáticos carregavam os cereais da Prússia e da Polónia, as
peles, as gorduras, a cera e as madeiras da Rússia e da Noruega. De volta,
enchiam os seus navios, grandes e pesados, os Kogge, com vinho e sal da França,
lãs da Inglaterra, azeite do Mediterrâneo, tecidos da Flandres. Desempenhavam
igualmente um papel importante no comércio entre a Flandres e a Inglaterra,
chegando a transportar, no século XV, mais de 70% das mercadorias inglesas para
a Flandres.
* As cidades
italianas e o domínio do comércio mediterrânico
De todas as
regiões europeias, as cidades italianas foram as que melhor preservaram, após a
destruição do Império Romano e as conquistas do Islão, a memória e o saber das
ligações mercantis. Amalfi, Génova, Pisa e Veneza dedicaram-se, bem antes do
século XI, ao comércio marítimo, mantendo ligações com o Império Bizantino e,
até, com Alexandria. O desencadear da Primeira Cruzada, em 1 095, marcou o
recuo definitivo do domínio muçulmano no Mediterrâneo e a sua abertura ao
comércio europeu. Inimigos e rivais, apesar de falarem a mesma língua,
Genoveses, Venezianos e Pisanos concorriam entre si nas rotas comerciais que
levavam à Ásia Menor, à Síria, ao Egipto. Por elas faziam chegar aos mercados
europeus as especiarias, os tecidos, as pérolas, as pedras preciosas, o alúmen.
Nas especiarias, sobretudo, assentava a sua riqueza: leves, de fácil
transporte, tinham a venda sempre garantida e nunca frustravam, se a carga se
não perdia, as expectativas de bons lucros. Da prosperidade das cidades
italianas, industriosas e mercantis, falam as suas moedas de ouro, as primeiras
a serem cunhadas na «Europa nova», e a ousadia dos seus mercadores, os
primeiros a demandarem o longínquo Oriente. Durante mais de dois séculos, até
os Portugueses desvendarem as Índias e os seus caminhos, foi o relato das
viagens de Marco Pólo, mercador veneziano, que alimentou a imagem do Oriente,
das suas riquezas e do seu poderio.
* As feiras
da Champagne
Na época que
estudamos, os mercadores eram sobretudo viajantes, «pés poeirentos» que
calcorreavam as estradas europeias, ou homens capazes de afrontar os riscos do
mar. Deslocavam-se incessantemente, comprando num lado, vendendo no outro,
acorrendo aos locais onde o negócio era mais certo ou prometia maiores ganhos.
Em algumas regiões, favorecidas pelas condições geográficas e pelos privilégios
dos senhores, desenvolveram-se feiras periódicas que, rapidamente, atingiram
dimensão internacional. Para atrair os feirantes, reis e senhores ofereciam
condições vantajosas de alojamento e armazenamento, bem como isenção ou redução
dos impostos costumeiros. Garantiam, também, a segurança dos mercadores, quer
na própria feira, quer na viagem de ida e volta, através de um conduto que os
punha a salvo de agressões e processos judiciais (salvo-conduto). Entre todas
as feiras medievais destacam-se as que, na Champagne, se realizavam nas cidades
de Lagny, Bar-sur-Aube, Provins e Troyes. Situadas em pleno eixo de ligação
entre o Norte flamengo e o Sul italiano, as feiras champanhesas eram o ponto de
encontro dos mercadores da Europa e de tudo o que eles tinham para oferecer. O
calendário das feiras, muito preciso e encadeado, estendia-se ao longo de todo
o ano, o que tornava a Champagne num autêntico mercado contínuo.
* As novas
práticas comerciais e financeiras
O
desenvolvimento comercial dos últimos séculos da Idade Média estimulou a
criação de novas técnicas de negócio. Grandes negócios implicam grandes
investimentos, grandes riscos e abundantes meios de pagamento. É, pois, natural
que os mercadores medievais tenham inventado práticas novas que lhes
proporcionassem facilidade e segurança nas suas transações. Foi assim que surgiram
as primeiras sociedades comerciais, os primeiros seguros e os primeiros
pagamentos em papel, como o cheque e a letra de câmbio. Em apoio de todo este
pioneirismo financeiro e comercial desenvolveu-se a atividade dos cambistas ou
banqueiros. Estes, sempre presentes nas feiras e nas principais praças
comerciais, onde era constante a troca de moedas, depressa alargaram a sua atividade,
aceitando depósitos e realizando transferências de dinheiro, bem como operações
de crédito. Deste modo se esboçaram as primeiras atividades bancárias tal como
as concebemos hoje. Inicialmente encarados com maus olhos pela Igreja, que
condenava o lucro e o comércio de dinheiro, mercadores e banqueiros viram, a
partir do século XII, a sua posição social reconhecida e o seu ganho legitimado
pelos benefícios que a vida económica deles retirava. Profissões novas,
pioneiras, tinham conquistado, na expressão de Lucien Febvre, o direito à
História.
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