segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Quadro económico e demográfico da Europa - século XI ao XIII


 

 

 


O QUADRO ECONÓMICO E DEMOGRÁFICO: EXPANSÃO E LIMITES DO CRESCIMENTO


Depois de longos séculos de crise e instabilidade, a Europa reencontrou, de novo, a sua força e o seu espírito empreendedor. Entre o século XI e o século XIII, o Ocidente viveu um período de acentuada prosperidade económica. Esta prosperidade atingiu, antes de mais, o mundo rural, saldando-se por um importante desenvolvimento agrícola.

* O desenvolvimento agrícola
O primeiro aspeto a considerar é a expansão da superfície cultivada. No ano mil, as florestas cobriam a Europa, ocupando uma enorme parte do solo, em detrimento da terra cultivada. No decurso dos três séculos seguintes, os homens desbravaram bosques, amanharam baldios e secaram pântanos, transformando-os em terras de lavoura. Estes grandes arroteamentos ficaram a dever-se à ação individual de muitos camponeses, mas, sobretudo, à iniciativa conjunta de reis, senhores laicos, ordens monásticas (Cluny, Cister, etc.) e até cidades. Eram, afinal, os que mais capacidades tinham para enquadrar os camponeses, fornecer as primeiras sementes, os instrumentos de trabalho, os materiais de construção. Associada a estes arroteamentos esteve a fundação de novas povoações, cujos habitantes beneficiaram da concessão de terras e outros incentivos, por parte dos senhores ou dos monarcas. Este fenómeno, que se acentuou no século XIII, deixou as suas marcas no nome de muitas localidades: «aldeia nova de ...», «vila nova de ...», «salvaterra» são, em Portugal, topónimos que, geralmente, datam desta época.
Ao mesmo tempo que aumentava a superfície cultivada, um conjunto de progressos técnicos permitia um melhor aproveitamento do solo:
• O emprego crescente do ferro nos utensílios agrícolas, nomeadamente na charrua, auxiliou o esforço dos cultivadores, permitindo abrir mais profundamente o solo e fixar melhor as sementes.
• A canga frontal para os bois e a coelheira rígida para os cavalos possibilitaram um melhor aproveitamento da força animal.
• O afolhamento com rotação trienal de culturas, que substituiu a tradicional divisão da terra em apenas duas folhas (uma lavrada e outra em pousio), permitiu granjear, cada ano, uma maior parcela de terreno.
 • A fertilização dos campos com marga (argila calcária) e cinzas e a maior utilização de estrume animal melhorou a qualidade dos solos.
Todos estes aspetos se traduziram por um aumento da produtividade agrícola que, acompanhada pelo incremento da pecuária, fez crescer significativamente as disponibilidades alimentares da Europa.

* O crescimento demográfico
Nos tempos medievais, a abundância de alimentos reflete-se, de imediato, no número de homens. Quando as grandes fomes recuaram, diminuíram também as epidemias porque, melhor alimentada, a população tornou-se mais resistente à doença. Dispondo de bens essenciais, de um clima geral de paz e de um desenvolvimento económico em todos os sectores, a Europa viu, entre os séculos XI e XIII, a sua população prestes a duplicar. Na zona ocidental, onde este surto demográfico foi mais acentuado, a Europa tornou-se, no dizer dos historiadores, «um mundo cheio». Para além do sector agrícola, a prosperidade fez-se sentir no comércio e no artesanato, que registaram, também, grande desenvolvimento. O seu dinamismo contribuiu, em muito, para o renascimento das cidades, que, finalmente, recuperaram do marasmo em que tinham mergulhado desde a queda do Império Romano.

* O surto urbano
Em torno dos velhos castelos senhoriais, junto aos portos ou às vias de circulação, de origem romana ou de fundação mais recente, as cidades aumentam em número e em tamanho. Para além de crescerem, as cidades transformam-se. Anteriormente eram, sobretudo, centros políticos, militares ou religiosos, derivando a sua importância da dignidade do nobre ou do bispo que as habitava. A partir do século XII, as cidades medievais assumem uma feição essencialmente económica. Nelas se estabelecem mercadores, banqueiros, artesãos, lojistas, que as animam e enriquecem. São eles os mais característicos habitantes do burgo e, por isso, tomam o nome de burgueses. Assim se individualiza um novo grupo social, a burguesia, que para sempre permanecerá ligado à cidade e às suas atividades. Mas nem só de comerciantes e artesãos se anima a cidade medieval. A ela afluem nobres à procura de divertimentos e artigos de luxo, peregrinos em busca de hospitalidade, desenraizados na esperança de uma vida melhor. A cidade assume-se, pois, como um pólo de atração, em permanente crescimento, atingindo o seu auge no início do século XIV, antes que a mortífera Peste Negra venha dizimar boa parte dos seus habitantes. Devemos ter presente que o conceito de cidade abrangia, então, aglomerados bem pequenos, às vezes de um milhar de habitantes.

* A dinamização das trocas locais e regionais
Embora muitas cidades se animassem, em determinadas épocas do ano, com a realização de grandes feiras internacionais, eram os pequenos mercados de dominante agrícola que alimentavam a vida económica corrente, estabelecendo uma ligação contínua entre a cidade e os campos mais próximos. As necessidades de abastecimento da população urbana representavam para o camponês um mercado certo, onde podia vender com proveito os seus excedentes: cereais, frangos, ovos, queijo, legumes, lã. Embora pesadas, as rendas senhoriais eram, normalmente, fixas, o que estimulava o agricultor a produzir mais, visto que o excedente revertia em seu benefício. Evidentemente que só eram assíduos ao mercado os camponeses das aldeias mais próximas e esses não chegavam para satisfazer a procura. Estima-se que a área de abastecimento de uma cidade de 10 a 20 mil habitantes pudesse abranger um raio de 50 km e essa distância não era, salvo raras ocasiões, percorrida pelo camponês. As ligações cidade-campo estabeleciam-se, neste caso, através de profissionais, os almocreves, que atuavam como intermediários, abastecendo a cidade de géneros alimentícios e as zonas agrícolas de produtos manufaturados. Também de realçar é o papel dos senhores, leigos e eclesiásticos, que na cidade tinham os seus palácios. Proprietários de grandes domínios, recebiam parte das rendas em géneros, que mandavam comercializar no mercado local. O mesmo se passava com mosteiros e abadias, cujos excedentes chegavam regularmente à cidade. Regulamentar o mercado e abastecer eficazmente a cidade tornou-se uma preocupação e um dever das autoridades urbanas. Era necessário garantir que os produtos chegassem ao seu destino, pelo que se proibia a venda pelo caminho ou fora das horas regulamentares. Havia também que evitar os aumentos exagerados dos preços. As medidas tomadas nesse sentido eram rígidas: limitavam-se as quantidades que cada um podia adquirir e puniam-se severamente todos os comerciantes que tentassem enganar o comprador, praticando um preço mais elevado. Este mercado local, pela sua incansável repetição, representava o maior volume de trocas desta época, contribuindo decisivamente para a afirmação da economia monetária. Toda a vida económica beneficiou do seu impulso e, pouco a pouco, a rede de trocas foi-se alargando a circuitos mercantis mais vastos e organizados. Um intenso comércio regional reanimou as estradas e os rios europeus estabelecendo, de novo, as ligações entre os centros de produção e de consumo.

AS GRANDES ROTAS DO COMÉRCIO EXTERNO 
Nos séculos XII e XIII o comércio europeu organiza-se em dois conjuntos económicos que coincidem basicamente, com as zonas industriais mais ativas: o Norte, flamengo e alemão, navega e mercadeja no Atlântico, no mar do Norte e no Báltico; o Sul, liderado pelos mercadores italianos, utiliza o Mediterrâneo, ainda e sempre via privilegiada de circulação. Estes dois mundos, geograficamente diferentes, atraem-se e completam-se. A sua ligação faz-se por via terrestre, numa longa estrada norte-sul. É nesta via de ligação, onde se cruzam mercadores e mercadorias, que se desenvolve um terceiro pólo económico: as feiras da Champagne.

* A Flandres
Desde cedo que, na Flandres, uma ativa indústria de lanifícios fez prosperar as cidades. Gand, Ypres, Bruges, Donai, entre outras, eram cidades manufatureiras cujos tecidos chegavam a toda a Europa e até, por intermédio dos italianos, ao Oriente. À prosperidade trazida pela indústria juntava-se a riqueza conseguida no comércio. A Flandres atraía, por força da sua posição geográfica, mercadores dos quatro cantos da Europa: do Norte, vinham os alemães, das cidades hanseáticas. Traziam os produtos do Báltico e das longínquas regiões da Rússia. Do Sul chegavam os italianos, primeiro por terra, atravessando os Alpes e a França, depois por via marítima, através do estreito de Gibraltar. Transportavam produtos mediterrânicos e especiarias orientais. Com eles misturavam-se também Espanhóis, Portugueses, Ingleses, Franceses, entre muitas outras nacionalidades que aqui ocorriam para comprar e vender. As cidades flamengas, com destaque para Bruges, acolhem os mercadores estrangeiros com privilégios, concedendo-lhes residência e autorização para construírem as suas casas de comércio, com oficinas, armazéns, locais de carga e descarga. Bruges torna-se o local mais cosmopolita da Europa, onde se transacionam as peles, a madeira e a cera do Norte, os vinhos, o sal e o azeite da Península Ibérica, as lãs de Inglaterra, o alúmen da Síria e as especiarias do Oriente.

* O comércio da Hansa
Quando, no século XI, as trocas se reativaram, o comércio à distância era uma aventura arriscada, em que se perdiam muitas vezes homens e mercadorias. Cedo se desenvolveram, por isso, associações mercantis destinadas a assegurar a proteção dos comerciantes de uma cidade ou região e a defender os seus interesses: as hansas ou guildas. De todas estas associações, a que uniu as cidades do mar do Norte e do mar Báltico, conhecida como Hansa Teutónica, foi, sem dúvida, a mais poderosa, de tal modo que, muitas vezes, a ela nos referimos simplesmente como «a Hansa». A Hansa Teutónica era, pois, uma vasta associação de cidades (cerca de 90, nos seus tempos áureos) destinada a assegurar o monopólio do comércio do mar Báltico e, quanto possível, do mar do Norte. Hamburgo, Dantzig, Riga, Colónia e, em especial, Lubeque eram as principais cidades hanseáticas. Muito ativos, os comerciantes hanseáticos carregavam os cereais da Prússia e da Polónia, as peles, as gorduras, a cera e as madeiras da Rússia e da Noruega. De volta, enchiam os seus navios, grandes e pesados, os Kogge, com vinho e sal da França, lãs da Inglaterra, azeite do Mediterrâneo, tecidos da Flandres. Desempenhavam igualmente um papel importante no comércio entre a Flandres e a Inglaterra, chegando a transportar, no século XV, mais de 70% das mercadorias inglesas para a Flandres.

* As cidades italianas e o domínio do comércio mediterrânico
De todas as regiões europeias, as cidades italianas foram as que melhor preservaram, após a destruição do Império Romano e as conquistas do Islão, a memória e o saber das ligações mercantis. Amalfi, Génova, Pisa e Veneza dedicaram-se, bem antes do século XI, ao comércio marítimo, mantendo ligações com o Império Bizantino e, até, com Alexandria. O desencadear da Primeira Cruzada, em 1 095, marcou o recuo definitivo do domínio muçulmano no Mediterrâneo e a sua abertura ao comércio europeu. Inimigos e rivais, apesar de falarem a mesma língua, Genoveses, Venezianos e Pisanos concorriam entre si nas rotas comerciais que levavam à Ásia Menor, à Síria, ao Egipto. Por elas faziam chegar aos mercados europeus as especiarias, os tecidos, as pérolas, as pedras preciosas, o alúmen. Nas especiarias, sobretudo, assentava a sua riqueza: leves, de fácil transporte, tinham a venda sempre garantida e nunca frustravam, se a carga se não perdia, as expectativas de bons lucros. Da prosperidade das cidades italianas, industriosas e mercantis, falam as suas moedas de ouro, as primeiras a serem cunhadas na «Europa nova», e a ousadia dos seus mercadores, os primeiros a demandarem o longínquo Oriente. Durante mais de dois séculos, até os Portugueses desvendarem as Índias e os seus caminhos, foi o relato das viagens de Marco Pólo, mercador veneziano, que alimentou a imagem do Oriente, das suas riquezas e do seu poderio.

* As feiras da Champagne
Na época que estudamos, os mercadores eram sobretudo viajantes, «pés poeirentos» que calcorreavam as estradas europeias, ou homens capazes de afrontar os riscos do mar. Deslocavam-se incessantemente, comprando num lado, vendendo no outro, acorrendo aos locais onde o negócio era mais certo ou prometia maiores ganhos. Em algumas regiões, favorecidas pelas condições geográficas e pelos privilégios dos senhores, desenvolveram-se feiras periódicas que, rapidamente, atingiram dimensão internacional. Para atrair os feirantes, reis e senhores ofereciam condições vantajosas de alojamento e armazenamento, bem como isenção ou redução dos impostos costumeiros. Garantiam, também, a segurança dos mercadores, quer na própria feira, quer na viagem de ida e volta, através de um conduto que os punha a salvo de agressões e processos judiciais (salvo-conduto). Entre todas as feiras medievais destacam-se as que, na Champagne, se realizavam nas cidades de Lagny, Bar-sur-Aube, Provins e Troyes. Situadas em pleno eixo de ligação entre o Norte flamengo e o Sul italiano, as feiras champanhesas eram o ponto de encontro dos mercadores da Europa e de tudo o que eles tinham para oferecer. O calendário das feiras, muito preciso e encadeado, estendia-se ao longo de todo o ano, o que tornava a Champagne num autêntico mercado contínuo.

* As novas práticas comerciais e financeiras
O desenvolvimento comercial dos últimos séculos da Idade Média estimulou a criação de novas técnicas de negócio. Grandes negócios implicam grandes investimentos, grandes riscos e abundantes meios de pagamento. É, pois, natural que os mercadores medievais tenham inventado práticas novas que lhes proporcionassem facilidade e segurança nas suas transações. Foi assim que surgiram as primeiras sociedades comerciais, os primeiros seguros e os primeiros pagamentos em papel, como o cheque e a letra de câmbio. Em apoio de todo este pioneirismo financeiro e comercial desenvolveu-se a atividade dos cambistas ou banqueiros. Estes, sempre presentes nas feiras e nas principais praças comerciais, onde era constante a troca de moedas, depressa alargaram a sua atividade, aceitando depósitos e realizando transferências de dinheiro, bem como operações de crédito. Deste modo se esboçaram as primeiras atividades bancárias tal como as concebemos hoje. Inicialmente encarados com maus olhos pela Igreja, que condenava o lucro e o comércio de dinheiro, mercadores e banqueiros viram, a partir do século XII, a sua posição social reconhecida e o seu ganho legitimado pelos benefícios que a vida económica deles retirava. Profissões novas, pioneiras, tinham conquistado, na expressão de Lucien Febvre, o direito à História.

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