No dia 27 de
Janeiro assinala-se o aniversário da libertação do campo de concentração e de
extermínio de Auschwitz, dia que passou a ser considerado o Dia
Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
Lembre-se que, após ter chegado ao campo de concentração e de extermínio
de Majdanek, na Polónia oriental, em final de 1944, o Exército Vermelho lançou,
em 12 de Janeiro de 1945, uma ofensiva geral na Polónia. No sábado, dia 27 de
Janeiro, elementos dos corpos n.º 28 e n.º 106 do Primeiro Exército soviético
da Ucrânia chegaram ao complexo de campos de concentração, trabalho forçado e
extermínio (Birkenau) de Auschwitz, onde encontraram cerca de 7.500
prisioneiros, incluindo 4.000 mulheres e cerca de 600 crianças, deixadas pelos
nazis.
Relativamente aos outros prisioneiros, tal como noutros campos, os nazis
organizaram «marchas da morte» em direcção à Alemanha, para apagar, na
debandada geral, os indícios físicos e materiais do enorme crime perpetrado
sobre milhões de seres humanos.
A não esquecer, também, o 72º aniversário da realização da Conferência
de Wannsee, localidade nos arredores de Berlim, onde as SS e altos dignatários
nazis organizaram os aspectos “práticos” do processo que ficou conhecido por
«Solução Final do Problema Judeu», ou o Holocausto ou Shoah.
A muito
abundante historiografia sobre o Holocausto perpetrado pelo regime
nacional-socialista alemão tende, na sua grande parte, por considerar que o
mecanismo do extermínio dos judeus procedeu por etapas num processo em espiral
de radicalização imparável.
Ao colocar o antissemitismo no centro da
sua ideologia e prática, o regime hitleriano começou por definir a figura dos
judeus e proceder ao boicote ao comércio judeu, dia 1 de Abril de 1933.
Prosseguiu com a legislação de exclusão dos judeus das profissões liberais e da
função pública, atribuindo depois um estatuto diferente aos judeus, através das
leis de Nuremberga, em 1935. Seguiu-se uma política de expropriação e de
«arianização» do património dos judeus, levada a cabo paralelamente com a “emigração”/expulsão destes dos territórios
alemães. De seguida, os judeus foram concentrados, enclausurados e isolados em
guetos, antes de serem deportados para os campos de concentração e de
extermínio, onde foram assassinados em massa.
Atualmente,
aceita-se a ideia de que o Holocausto esteve relacionada com a operação
Barbarossa, de guerra total na URSS, iniciada em Junho de 1941, em particular
devido à ordem de execução dos comissários soviéticos (Komissarbefehl) e ao
reforço dos Einsatzgruppen com elementos das SS. Estes, eram esquadrões da morte
que seguiam as tropas regulares da Wehrmacht nos territórios ocupados da
Polónia e da URSS, com o objectivo de matar civis que foram responsáveis por
matar cerca de dois milhões de pessoas antes das câmaras de gás de Auschwitz.
Através da Komissarbefehl,
foi ordenada a eliminação sistemática dos comissários políticos comunistas do
Exército Vermelho, identificados estes também como judeus.
A génese do
genocídio, que decorreu na sequência da invasão da URSS, tem sido
historiograficamente procurada na prática quotidiana das instâncias regionais e
locais de ocupação alemã. Haveria, assim, uma grande diversidade de situações,
dependendo dos locais, da cronologia e das formas de execução. Mas, embora o
genocídio não tenha começado por todo o lado no mesmo momento, os autores são
unânimes na fixação em Junho de 1941 de toda uma série de iniciativas locais neste
âmbito, pois, no momento da invasão da URSS, os massacres estenderam-se a todas
as zonas ocupadas da Europa oriental.
O historiador
Christopher Browning mostrou que o processo através do qual, num período de 25
meses, entre Setembro de 1939 e Outubro de 1941, o regime nazi chegou ao
extermínio de todos os judeus europeus sob domínio alemão, passou por duas
políticas distintas: a «reinstalação» e a «guetização».
A chamada
«questão judaica» deveria ser solucionada, segundo os dirigentes nazis e
especialmente o chefe supremo das SS, Heinrich Himmler, reinstalando os judeus
a leste através de expulsões forçadas e, concomitantemente, da dizimação dessas
populações. Primeiro, Himmler encarou a expulsão dessas populações judaicas
para o distrito de Lublin, na Polónia, e depois para a ilha de Madagáscar. Ou
seja, se, entre 1938 e 1941, a escolha da emigração forçada revelou, da parte
dos nazis, a procura de uma solução territorial da questão judaica pela
deportação massiva.
Após a
«reinstalação» a leste, seguiu-se um segundo processo através do qual o regime
nazi chegou ao Holocausto - a «guetização», ou a concentração e o isolamento
dos judeus até que uma nova «reinstalação» tivesse lugar.
Depois da
«guetaziação», ocorreu, como se sabe, a deportação para os campos da morte e o
assassínio em massa dos judeus.
A política
anti-semita teve, assim, um carácter cumulativo, por etapas, progredindo desde
a discriminação profissional até ao extermínio dos judeus, decidida pelo menos
a partir de Dezembro de 1941, embora até então também tivesse havido várias
etapas.
Em Outubro de
1941, depois de invasão da URSS, os Einzatzgruppen eliminaram comunidades
inteiras e a RSHA – central de todas as polícias, incluindo a Gestapo-SD,
dirigida pelo líder das SS, Heinrich Himmler - decidiu a deportação de judeus
para territórios russos ocupados. No entanto, apesar da existência de massacres
em massa de mulheres e de crianças russas, a deportação ainda continuava a ser
considerada como o instrumento principal para resolver a «questão judaica».
Em Dezembro de
1941, interveio a decisão de extermínio, anunciada por Hans Frank, e anotada, a
18, por Himmler na sua agenda.
Não esquecer a conferência de Wannsee, realizada dia 20 de Janeiro
de 1942, perto de Berlim, convocada por Reinhardt Heydrich, chefe SS da
Gestapo-SD: foi nesta conferência que foi
programada, por quinze dignitários nazis, a «solução final».
Segundo concluiria o próprio Heydrich, essa reunião terminou com a
definição das linhas básicas relacionadas com a «execução prática da solução
final da questão judaica». Ficou então decidida a «evacuação dos judeus em
direcção a leste, com a autorização do Führer», em substituição da «emigração»,
sendo afirmado que, embora provisória, aquela opção já constituía «uma
experiência prática muito significativa para a próxima solução final da questão
judaica» europeia. Esta abrangeria «mais ou menos 11 milhões de judeus de
diversos países».
Após lembrar
que Hitler tinha recentemente aprovado a nova política de deportação
relativamente aos judeus, enfatizando que se tratava de uma medida temporária,
Heydrich apresentou números relativos à população judaica de cada nação
europeia, incluindo os países fora da ocupação e influência alemã, em
particular de países neutros como a Irlanda, Suécia, Suíça e Portugal, onde
haveria, segundo ele, respectivamente 4.000, 8.000, 18.000 e 3.000 judeus.
Heydrich lançou
depois as bases para a discussão ao apresentar o que deveria ser feito de
imediato nos territórios ocupados de Leste. Segundo ele, tratava-se de
organizar os judeus em colunas de trabalho forçado, no seio das quais, «sem
dúvida, a maioria seria eliminada por causas naturais».
Estava
subentendido que os mais fortes, do ponto de vista físico, eram poupados
temporariamente e utilizados na realização de trabalhos duros, enquanto as
crianças, os velhos e os mais fracos estariam à partida condenados à morte.
A reunião
discutiu, ainda, de que forma se deveria persuadir os territórios ocupados ou
os países aliados da Alemanha para também eles lidarem com o «problema» judeu,
enaltecendo aliás o que tinha sido já feito na Croácia e na Eslováquia.
Lembre-se que esta última cooperou em toda a linha com as deportações nazis, o
que resultou no facto de os comboios de judeus eslovacos terem sido os
primeiros a serem alvo de «seleção» em Auschwitz, logo em Março de 1942. Por
outro lado, cerca de 90.000 judeus, primeiro, homens jovens programados para o trabalho,
e depois mulheres e crianças, foram
enviados, no final desse mês, da Croácia para guetos no distrito de Lublin e
para os campos da morte a Leste.
Com o triunfo da posição das SS sobre as
outras facções na conferência de Wannsee de Janeiro de 1942, foi posta em
marcha a «solução final», na dependência das SS.
Ao receber as atas
da conferência de Wannsee, redigidas por Adolf Eichmann e enviadas a muitos
altos dignatários nazis, Joseph Goebbels escreveu no seu diário que a partir de
então a «questão judaica» tinha «de ser resolvida numa escala pan-europeia».
A 14 de Fevereiro, Hitler disse a Goebbels
estar determinado a «limpar» a Europa de judeus sem qualquer espécie de contemplações
ou de emoções sentimentais.
Este último
confiou ao seu diário, a 27 de Março, que os judeus estavam então a ser
empurrados para fora do Governo-Geral, a partir de Lublin, mais para leste».
Reconhecia o
ministro de Propaganda nazi que um processo bastante bárbaro estava ali a ser
aplicado e que não deveria ser descrito com mais detalhe. Especificando,
escreveu que, em geral, «pode-se concluir que 60% dos judeus devem ser
liquidados, enquanto apenas 40% podem ser postos a trabalhar».
O certo é que, a 25 desse mês de
Março de 1942, começaram, em toda a Europa ocupada pela Alemanha, as operações
genocidas.
Do Reich alemão e do Protetorado da Boémia-Morávia cerca de 60 comboios
carregados, cada um, com cerca de mil deportados tomaram também o caminho dos
guetos.
Na Polónia, os guetos foram dissolvidos e os seus ocupantes começaram a ser
deportados para os campos de extermínio, tal como aconteceu aos judeus de
França – a parte ocupada, bem como a parte «livre» de Vichy -, da Bélgica e da Holanda.
Em Chelmno e Maidanek, campos da
morte na Polónia, o gás dos motores diesel, utilizado até então, juntamente com
os fuzilamentos em massa, para matar judeus, viriam a ser substituídos pelo
Zyklon B, que permitiria a “industrialização” da morte.
Estes locais e os campos de Belzec,
Sobibor, Treblinka e Auschwitz-Birkenau (construído a partir de Novembro de
1941), tornar-se-iam campos de extermínio.
Com o início do funcionamento das
câmaras de gás do campo de extermínio de Birkenau, em Junho de 1942, os nazis
passaram à fase aberta do genocídio planificado e sistemático, cujo ponto
culminante e derradeiro viria a ser o massacre de meio milhão de judeus
húngaros, executados ao ritmo de 10.000 por dia, no Verão de 1944.
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