A herança iluminista que defendia a liberdade e a
igualdade de todos os cidadãos mudou regimes políticos, laicizou a cultura e
valorizou a instrução e a educação como motores de progresso económico e social
e fontes de felicidade individual e colectiva. Algumas mulheres da burguesia
culta e informada aproveitaram os ventos modernizadores que sopravam da Europa
mais progressista e iniciaram o processo de emancipação feminina, emergindo no
espaço público, sobretudo como tradutoras, escritoras e professoras.
Embora
lentamente, muitas mulheres instruídas viram na escrita e no ensino uma forma
de escaparem ao silêncio e à invisibilidade que, desde há muito, a sociedade
impunha ao sexo feminino. Ao longo do século XIX, estas mulheres fazem da
imprensa periódica a sua tribuna, exprimindo ideias, debatendo problemas e
propondo soluções. É através da escrita que se afirmam como seres
independentes, que se pretendem livres de qualquer tutela, e reclamam o lugar a
que se julgam com direito.
Se na
primeira metade do século muitas se escondem sob o anonimato, na segunda metade
assumem sem preconceitos as suas identidades e aventuram-se na fundação e
direcção de revistas e jornais e na propagação das ideias emancipadoras do
direito à educação e ao exercício de uma profissão, a fim de se tornarem
economicamente autónomas. Em 1849, surge A Assembleia Literária, o primeiro
jornal fundado e dirigido por uma mulher, Antónia Gertrudes Pusich, consagrado
à instrução do sexo feminino. Nos anos que se seguem, entre os periódicos femininos
destinados a entreter a preguiça e a frivolidade, aparecem outros apostados na
defesa dos direitos das mulheres e na mudança de mentalidades e comportamentos
sociais. Francisca Wood funda A Voz Feminina, em 1868 e O Progresso em 1869;
Guiomar Torrezão toma a direcção d'O Almanaque das Senhoras em 1870; Elisa
Curado dirige A Mulher, surgido em 1883; Beatriz Pinheiro funda e dirige A Ave
Azul em 1898.
Na viragem
do século, este grupo de mulheres dá lugar a outro que, também na imprensa, se
vai assumindo como vanguarda mobilizadora do movimento feminista da primeira
vaga que reivindica a igualdade de direitos jurídicos, económicos, civis e
políticos entre os sexos. Se no início, a convergência de ideais unia mulheres
conservadoras e monárquicas, como Olga Morais Sarmento da Silveira e Domitila
de Carvalho, às republicanas Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete, Maria
Veleda e Carolina Beatriz Ângelo, entre outras, com a aproximação destas
últimas ao Partido Republicano, dá-se a cisão definitiva.
Nas primeiras
décadas do século XX surgem assim as associações femininas e feministas que
agregam mulheres de todos os estratos sociais: escritoras, professoras,
médicas, advogadas, comerciantes, industriais, costureiras, domésticas... As
mulheres republicanas fundam, em 1907, o «Grupo de Estudos Feministas», em
1909, «A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas», em 1911, a «Associação de
Propaganda Feminista», em 1914, o «Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas»,
em 1915, a «Associação Feminina de Propaganda Democrática» e, em 1916, a
«Cruzada das Mulheres Portuguesas».
A aliança
entre os dirigentes do Partido Republicano e as mulheres republicanas foi
reforçada com a iniciação de muitas delas na Maçonaria e a militância activa na
«Loja Humanidade», agremiação feminina com igualdade de direitos e
representação junto das hierarquias maçónicas. Naquela época, maçonaria
feminina, República e feminismo eram expressões do mesmo ideal e espaços de
intervenção na conquista da liberdade, da igualdade e do direito de cidadania.
Natividade Monteiro, in http://www.aph.pt/ex_assPropFeminina4.php
Natividade
Monteiro é licenciada em História pela FL-UL, mestre em Estudos sobre as
Mulheres, professora de História e investigadora de Faces de Eva-Cesnova e do
CEMRI-Universidade Aberta. Faz parte dos órgãos sociais da APH - Associação de
Professores de História, é sócia da APEM – Associação Portuguesa de Estudos
sobre as Mulheres, membro do Conselho Científico do Centro de Documentação e
Arquivo Feminista Elina Guimarães da UMAR e integra a Direcção e o Conselho
Redactorial da Revista Faces de Eva. No âmbito dos Estudos sobre as Mulheres,
tem publicado livros e artigos, participado em Congressos, Seminários,
Colóquios e Tertúlias e coordenado exposições e ciclos de conferências.
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