Os
Protestantes opuseram-se tanto quanto os Católicos ao activismo femino público
e aos movimentos pela igualdade de direitos entre os sexos. No entanto, foi nas
nações protestantes que primeiro se criaram as condições que permitiram a
formação de movimentos de libertação, entre eles o da emancipação das mulheres.
Nas nações onde a Igreja Católica manteve o domínio absoluto, as mulheres
continuavam a ter a Virgem Maria e as santas como importantes ícones
religiosos, cujos cultos absorviam grande parte da prática da religiosidade
feminina.
O
Catolicismo preservou intacto o estatuto de subordinação da mulher, expresso no
papel de esposas e mães, como no de reclusas nos conventos.
As
mulheres católicas que desejassem reivindicar direitos de igualdade legal,
política e económica teriam de primeiro romper com a Igreja, por vezes
completamente. Simone de Beauvoir, por exemplo, chamou à sua perda de fé “a
minha conversão ao mundo real”, sentimento certamente partilhado por muitas mulheres
católicas que se tornaram feministas, como as Três-Marias portuguesas.
Nas
nações católicas, poucas foram as mulheres que se juntaram a movimentos
feministas, antes dos movimentos generalizados de emancipação da mulher da
década de 1970. O mesmo já não ocorreu nas nações que adoptaram a Fé
protestante.
É
verdade que as Igrejas Protestantes também preservaram a tradição patriarcal e
que reduziram drasticamente as oportunidades de participação feminina na
Igreja, com a eliminação do culto à Virgem e aos santos e o repúdio da vida em
reclusão, em conventos e mosteiros. No entanto, a intensa prática religiosa
doméstica, a leitura pessoal da Bíblia, a diferente leitura de algumas das
doutrinas cristãs e as diferentes formas de disciplina eclesiástica abraçadas
pelas diversas denominações protestantes criaram uma atmosfera mais propícia à
rejeição das tradições culturais seculares que sublinhavam o estatuto de
subordinação da mulher. A ênfase nas doutrinas da igualdade espiritual, na
inviolabilidade da liberdade de consciência religiosa, e na responsabilidade de
cada indivíduo pela sua própria salvação, estimulou o individualismo e a
independência do pensamento, que levou as mulheres protestantes a cedo
descobrirem a paradoxalidade do seu estatuto de subordinação social, e a
começarem a questionar os papéis tradicionais que lhes eram socialmente
impostos.
Foram
esses factores que fizeram surgir mulheres de fortes convicções e grande poder
de argumentação, como as britânicas e norte-americanas acima referidas, e que
explicam o facto de ter sido nas nações protestantes que as mulheres primeiro
conseguiram o direito de voto e outros importantes direitos civis.
A
ética protestante foi igualmente instrumental na transição de uma sociedade
aristocrática, baseada numa economia agrária feudal, para uma sociedade
burguesa, baseada numa economia agrária capitalista, no comércio e na
indústria, transição que, em termos políticos, se traduziu na transferência do
poder da Coroa para o Parlamento e da aristocracia para a burguesia,
estabelecendo a classe média como classe económica e política dominante.
O
crescimento económico da classe média concorreu significativamente para a
melhoria do estatuto das mulheres, especialmente o das mulheres da burguesia
urbana, que começaram a receber melhor educação e, tal como as mulheres da
aristocracia, a dispor de tempos livres para se dedicarem à leitura e à
escrita. Por outro lado, a expansão das actividades económicas urbanas abriu
novas oportunidades de trabalho para as mulheres, que lhes permitiram adquirir
maior independência económica e, como consequência natural, maior poder reivindicativo.
Assim,
embora até ao século XVIII as mulheres que abordaram a questão dos seus
direitos tivessem as mais diversas origens sociais: mulheres tituladas, como a
duquesa de Newcastle; bluestockings, como Lady Montagu; educadoras, como
Bathsua Makin; ou simples mulheres da burguesia mercantil, como Mary
Wollstonecraft, os movimentos pelos direitos da mulher do século XIX e início
do século XX foram esmagadoramente compostos por mulheres pertencentes a
famílias de riqueza moderada, seja de origem fundiária, comercial, industrial
ou das profissões liberais. Foram, na verdade, especialmente as mulheres da
classe média urbana que, durante o século dezanove, mais sentiram a privação dos
direitos educacionais, económicos e políticos que os homens da sua classe
social estavam a adquirir.
O
sucesso do liberalismo político e do crescimento económico, em grande medida
fomentado pela ética protestante, está, por conseguinte, na base da razão de
ter sido em Inglaterra e nos Estados Unidos que a classe média primeiro
ascendeu ao poder político em número expressivo, e onde primeiro ocorreram os
maiores e mais bem organizados movimentos pelos direitos das mulheres, que serviram
de paradigmas a outros movimentos feministas europeus.
Entre
1830 e 1920, milhares de mulheres pertencentes a famílias britânicas e norte-americanas
da classe média liberal mobilizaram-se e lutaram pelo direito ao sufrágio, pelo
direito ao controlo das suas propriedades e dos seus ganhos, e pelo direito à
educação.
in LUTA DAS MULHERES PELO DIREITO DE VOTO, movimentos
sufragistas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, Zina Abreu.
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