domingo, 10 de fevereiro de 2013

Protestantismo e Feminismo




Os Protestantes opuseram-se tanto quanto os Católicos ao activismo femino público e aos movimentos pela igualdade de direitos entre os sexos. No entanto, foi nas nações protestantes que primeiro se criaram as condições que permitiram a formação de movimentos de libertação, entre eles o da emancipação das mulheres. Nas nações onde a Igreja Católica manteve o domínio absoluto, as mulheres continuavam a ter a Virgem Maria e as santas como importantes ícones religiosos, cujos cultos absorviam grande parte da prática da religiosidade feminina.

O Catolicismo preservou intacto o estatuto de subordinação da mulher, expresso no papel de esposas e mães, como no de reclusas nos conventos.

As mulheres católicas que desejassem reivindicar direitos de igualdade legal, política e económica teriam de primeiro romper com a Igreja, por vezes completamente. Simone de Beauvoir, por exemplo, chamou à sua perda de fé “a minha conversão ao mundo real”, sentimento certamente partilhado por muitas mulheres católicas que se tornaram feministas, como as Três-Marias portuguesas.

Nas nações católicas, poucas foram as mulheres que se juntaram a movimentos feministas, antes dos movimentos generalizados de emancipação da mulher da década de 1970. O mesmo já não ocorreu nas nações que adoptaram a Fé protestante.

É verdade que as Igrejas Protestantes também preservaram a tradição patriarcal e que reduziram drasticamente as oportunidades de participação feminina na Igreja, com a eliminação do culto à Virgem e aos santos e o repúdio da vida em reclusão, em conventos e mosteiros. No entanto, a intensa prática religiosa doméstica, a leitura pessoal da Bíblia, a diferente leitura de algumas das doutrinas cristãs e as diferentes formas de disciplina eclesiástica abraçadas pelas diversas denominações protestantes criaram uma atmosfera mais propícia à rejeição das tradições culturais seculares que sublinhavam o estatuto de subordinação da mulher. A ênfase nas doutrinas da igualdade espiritual, na inviolabilidade da liberdade de consciência religiosa, e na responsabilidade de cada indivíduo pela sua própria salvação, estimulou o individualismo e a independência do pensamento, que levou as mulheres protestantes a cedo descobrirem a paradoxalidade do seu estatuto de subordinação social, e a começarem a questionar os papéis tradicionais que lhes eram socialmente impostos.

Foram esses factores que fizeram surgir mulheres de fortes convicções e grande poder de argumentação, como as britânicas e norte-americanas acima referidas, e que explicam o facto de ter sido nas nações protestantes que as mulheres primeiro conseguiram o direito de voto e outros importantes direitos civis.

A ética protestante foi igualmente instrumental na transição de uma sociedade aristocrática, baseada numa economia agrária feudal, para uma sociedade burguesa, baseada numa economia agrária capitalista, no comércio e na indústria, transição que, em termos políticos, se traduziu na transferência do poder da Coroa para o Parlamento e da aristocracia para a burguesia, estabelecendo a classe média como classe económica e política dominante.

O crescimento económico da classe média concorreu significativamente para a melhoria do estatuto das mulheres, especialmente o das mulheres da burguesia urbana, que começaram a receber melhor educação e, tal como as mulheres da aristocracia, a dispor de tempos livres para se dedicarem à leitura e à escrita. Por outro lado, a expansão das actividades económicas urbanas abriu novas oportunidades de trabalho para as mulheres, que lhes permitiram adquirir maior independência económica e, como consequência natural, maior poder reivindicativo.

Assim, embora até ao século XVIII as mulheres que abordaram a questão dos seus direitos tivessem as mais diversas origens sociais: mulheres tituladas, como a duquesa de Newcastle; bluestockings, como Lady Montagu; educadoras, como Bathsua Makin; ou simples mulheres da burguesia mercantil, como Mary Wollstonecraft, os movimentos pelos direitos da mulher do século XIX e início do século XX foram esmagadoramente compostos por mulheres pertencentes a famílias de riqueza moderada, seja de origem fundiária, comercial, industrial ou das profissões liberais. Foram, na verdade, especialmente as mulheres da classe média urbana que, durante o século dezanove, mais sentiram a privação dos direitos educacionais, económicos e políticos que os homens da sua classe social estavam a adquirir.

O sucesso do liberalismo político e do crescimento económico, em grande medida fomentado pela ética protestante, está, por conseguinte, na base da razão de ter sido em Inglaterra e nos Estados Unidos que a classe média primeiro ascendeu ao poder político em número expressivo, e onde primeiro ocorreram os maiores e mais bem organizados movimentos pelos direitos das mulheres, que serviram de paradigmas a outros movimentos feministas europeus.

Entre 1830 e 1920, milhares de mulheres pertencentes a famílias britânicas e norte-americanas da classe média liberal mobilizaram-se e lutaram pelo direito ao sufrágio, pelo direito ao controlo das suas propriedades e dos seus ganhos, e pelo direito à educação.

 

in LUTA DAS MULHERES PELO DIREITO DE VOTO, movimentos sufragistas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, Zina Abreu.

 

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